O campo ensinou a José Datrino a amansar burros para o transporte de carga. Tempos depois, como profeta Gentileza, se dizia "amansador dos homens burros da cidade que não tinham esclarecimento".
Desde sua infância José Datrino era possuidor de um comportamento atípico. Por volta dos treze anos de idade, passou a ter premonições sobre sua missão na terra, na qual acreditava que um dia, depois de constituir família, filhos e bens, deixaria tudo em prol de sua missão. Este comportamento causou preocupação em seus pais, que chegaram a suspeitar que o filho sofresse de algum tipo de loucura, chegando a buscar ajuda em curandeiros.
SURGE O PROFETA GENTILEZA
No dia 17 de dezembro de 1961, na cidade de Niterói, houve um grande incêndio no circo "Gran Circus Norte-Americano" e considerado uma das maiores fatalidades em todo o mundo circense. Neste incêndio morreram mais de 500 pessoas, a maioria, crianças. Seis dias após o acontecimento, José acordou alegando ter ouvido "vozes astrais", segundo suas próprias palavras, que o mandavam abandonar o mundo material e se dedicar apenas ao mundo espiritual. O Profeta pegou seu caminhão e foi para o local do incêndio. Plantou jardim e horta sobre as cinzas do circo em Niterói, local que um dia foi palco de tantas alegrias, mas também de muita tristeza. Aquela foi sua morada por quatro anos. Lá, José Datrino incutiu nas pessoas o real sentido das palavras Agradecido e Gentileza. Foi um consolador voluntário, que confortou os familiares das vítimas da tragédia com suas palavras de bondade. Daquele dia em diante, passou a se chamar "Profeta Gentileza".
Após deixar o local, o profeta Gentileza começou a sua jornada como andarilho. A partir de 1970 percorreu toda a cidade. Era visto em ruas, praças, nas barcas da travessia entre as cidades do Rio de Janeiro e Niterói, em trens e ônibus, fazendo sua pregação e levando palavras de amor, bondade e respeito pelo próximo. Aos que o chamavam de louco, ele respondia: - "Sou maluco para te amar e louco para te salvar".
A partir de 1980, escolheu 56 pilastras do viaduto do caju, que vai do cemitério do caju até a rodoviária Novo Rio, numa extensão de aproximadamente 1,5 km. Ele encheu as pilastras do viaduto com inscrições em verde-amarelo propondo sua crítica do mundo e sua alternativa ao mal-estar da civilização.
Em 28 de maio de 1996, aos 79 anos, faleceu na cidade de Mirandópolis. Com o decorrer dos anos, os murais foram danificados por pichadores, sofreram vandalismo, e mais tarde cobertos com tinta cinza. A eliminação das inscrições foi criticada e posteriormente com ajuda da prefeitura da cidade do rio de janeiro, foi organizado o projeto rio com gentileza, com o objetivo restaurar os murais das pilastras. Começaram a ser recuperadas em janeiro de 1999. Em maio de 2000, a restauração das inscrições foi concluída e o patrimônio urbano carioca foi preservado.
No final do ano 2000 foi publicado pela EdUFF (Editora da Universidade Federal Fluminense) o livro Brasil: Tempo de Gentileza, de autoria do professor Leonardo Guelman. A obra introduz o leitor no "universo" do profeta Gentileza através de sua trajetória, da estilização de seus objetos, de sua caligrafia singular e de todos os 56 painéis criados por ele, além de trazer fatos relacionados ao projeto Rio com Gentileza e descrever as etapas do processo de restauração dos escritos. O livro é ricamente ilustrado com inúmeras fotografias, principalmente do profeta e de seus penduricalhos e painéis. Além de fotos do próprio profeta Gentileza trabalhando junto a algumas pilastras, existem imagens dos escritos antes, durante e após o processo de restauração.
No ano de 2000, na cidade de Mirandópolis (SP), onde o profeta está enterrado, foi criada a primeira ONG da cidade: Gentileza Gera Gentileza, fundada por amigos que admiravam a filosofia de vida do Profeta. A ONG, além de lembrar a pessoa de José Datrino (Profeta Gentileza), em sua criação, tinha a missão de difundir cultura em toda a região. Um evento anual foi organizado denominado "Gentileza Gera Gentileza", com música, teatro, poesia e dança, entre outros.
Gentileza denunciava o mundo, regido "pelo capeta capital que vende tudo e destrói tudo". Via no circo destruído uma metáfora do circomundo que também será destruído. Mas anunciava a "gentileza que é o remédio para todos os males". Deus é "gentileza porque é beleza, perfeição, bondade, riqueza, a natureza, nosso pai criador". Um refrão sempre voltava especialmente nas 56 pilastras com inscrições na entrada da rodoviária Novo Rio no caju: "gentileza gera gentileza". Convidava a todos a serem gentis e agradecidos.
Escreveu seus pensamentos em 56 pilastras do viaduto do Caju, na entrada da cidade.
Era um andarilho que podia ser visto em qualquer bairro da cidade, das praias à mais distante periferia.
Testemunho pessoal:
Durante muitos anos ele foi chamado simplesmente de "Gentileza" . O "título" "Profeta" veio muitos anos depois, pouco antes de sua morte. Tive a oportunidade de encontrá-lo nas ruas por várias vezes, durante muitos anos.
Aliás, é muito comum na história da humanidade, simples mortais, como eu, não entenderem gênios que em sua época eram considerados loucos.
Em algumas das vezes, eu tentava entender o que ele falava, mas nunca consegui ver muito sentido.
Uma característica, no entanto, chamava a atenção; a gentileza e doçura com a qual respondia quando se dirigiam a ele. O que era raro. Ele sempre respondia a mesma frase:
- Gentileza gera gentileza.
E prosseguia sua caminhada.
Ele foi um ser humano totalmente do bem, diferente, único como todos nós, que o tempo e o imaginário da cidade transformaram no mítico Profeta Gentileza. Sábio ou louco?
Bem,nada é mais sábio, verdadeiro e profundo do que a frase que cunhou e que vem servindo de inspiração a muita gente mesmo tantos anos depois de sua morte:
"GENTILEZA GERA GENTILEZA".
Por Edmir Saint-Clair
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A Casa Encantada
Contos do Leblon
Edmir Saint-Clair
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