Grande parte das pessoas enfrenta, em algum momento da vida, transtornos de saúde mental que podem ser tratados; é o caso da depressão e do estresse, mas a falta de informação e o preconceito ainda fazem com que adultos e crianças sofram sozinhos em vez de procurar um profissional qualificado
Vinte e três milhões. Este é o número de brasileiros que necessitam de acompanhamento na área da saúde mental. Desse total, pelo menos 5 milhões sofrem com transtornos graves e persistentes, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Nesse universo encontram-se crianças e adultos que sofrem de patologias como depressão, transtornos de ansiedade, distúrbios de atenção e hiperatividade e dependência de álcool e drogas. Aproximadamente 80% das pessoas que sofrem com esses transtornos não recebem nenhum tipo de tratamento. Mas a situação não é prerrogativa do Brasil. Ainda de acordo com a OMS, um em cada quatro americanos passa por um transtorno psiquiátrico diagnosticável em algum momento da vida. Exageros à parte, no decorrer de nossa existência muitas vezes nos perguntamos se somos mentalmente saudáveis e se não estaria na hora de buscar ajuda profissional. A preocupação faz sentido: de fato, quase metade da população do planeta apresenta algum tipo de transtorno durante a vida. Infelizmente, porém, em cerca de dois terços dos casos os problemas comportamentais e emocionais jamais são diagnosticados e acompanhados, embora muitos deles possam ser tratados de maneira eficaz. Mais de 80% das pessoas com depressão grave, por exemplo, são capazes de se beneficiar significativamente da combinação de medicação e terapia.
O preconceito, porém, ainda é um empecilho para a busca de auxílio especializado. Não raro, ouve-se até mesmo de pessoas razoavelmente bem informadas que “psicoterapia é coisa para louco”. A postura defensiva pode se mostrar de várias maneiras, como pela desqualificação dos profissionais ou de si próprio. Para muitos prevalece, por exemplo, a ameaça de que “o psicoterapeuta saberá mais sobre mim do que eu mesmo; descobrirá segredos dos quais nem suspeito”. Pode também surgir a fantasia onipotente de que “ninguém pode me ajudar”. Ou ainda o pensamento persecutório referenciado na opinião alheia: “O que os outros vão pensar se souberem que vou a um psicólogo?”. Qualquer que seja a forma como se apresente, a resistência não aparece por acaso: em geral, é inerente à própria patologia e tem a ver com o funcionamento psíquico da pessoa. E, infelizmente, às vezes persiste por muito tempo, até que o paciente decida buscar ajuda.
O QUE É NORMAL?
Quando trabalhei como editor-chefe da Psychology Today, com frequência os leitores me pediam que sugerisse testes de triagem para pessoas com problemas de saúde mental. Procurei por esse material no intuito de ajudar homens e mulheres a encontrar respostas às perguntas como “Será que este meu sentimento de desânimo é normal?”, “Por que eu grito com a minha mulher e meus filhos o tempo todo, mesmo não querendo fazer isso?”, “Será que perdi o controle da bebida?”. Encontrei milhares de testes “caseiros” na internet, mas nenhum havia sido validado cientificamente. Pior ainda, muitos serviam como veículos de marketing para vídeos, livros ou serviços, encaminhando o leitor que respondesse às questões direto para um setor de vendas. Não parecia existir nenhum teste amplo, confiável, favorável ao consumidor, que ajudasse alguém a refletir melhor sobre si mesmo.
Assim, desenvolvi o teste Triagem Epstein em Saúde Mental (Epstein Mental Health Inventory) (EMHI), baseado na quarta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-IV), compêndio no qual médicos americanos se baseiam para fazer diagnósticos. O teste cobre 18 problemas psiquiátricos comuns nos Estados Unidos, como depressão maior, fobias, transtorno bipolar e abuso de substâncias, que selecionei usando dados preponderantes do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH) dos Estados Unidos, entre outras fontes. Para cada distúrbio são considerados três critérios do DSM-IV, que reescrevi em linguagem para leigos.
A ferramenta, porém, não tem o papel de diagnosticar ninguém. Seu objetivo é alertar para possíveis riscos de um transtorno, estimulando a busca por ajuda psicológica. O mais importante é ajudar as pessoas a se sentir e viver melhor, pois minha experiência tem mostrado que qualquer meio legítimo de levá-las a consultar um psicoterapeuta é válido. No ano passado, Laura Muzzatti, aluna da Universidade da Califórnia em San Diego, e eu apresentamos uma avaliação da EMHI usando uma amostragem de 3.403 pessoas que fizeram o teste depois de ele ter sido colocado na internet, em 2007. Verificamos que os resultados previram sete fatores importantes relacionados à saúde mental. A avaliação incluía o grau de felicidade declarado; o quanto se sentiam ativamente responsáveis por seu sucesso pessoal e profissional; se estavam empregados; se fizeram terapia em alguma ocasião, se alguma vez já haviam sido hospitalizados por problemas comportamentais ou emocionais e se, na época do teste, estavam em terapia. A pontuação não diferia de acordo com etnia, mas variava segundo o gênero: a pontuação das mulheres foi 17% mais elevada que a dos homens, parecendo apresentar mais problemas de saúde mental, um resultado consistente com os de outros estudos. Ou, pelo menos, foram mais sinceras e analíticas ao responder o questionário.
Em busca de um diagnóstico
Muitas pessoas chegam aos consultórios de psicologia e psicanálise ansiosas para encontrar um nome que abarque aquilo que sentem, uma palavra que encerre a dor, a angústia e, às vezes, a culpa ou as dúvidas que as afligem. Isso, porém, nem sempre é fácil, e de pouco adianta se o paciente não puder compreender o que se passa com ele e se responsabilizar pelo próprio tratamento, atribuindo sentidos a sua patologia. A atração que os testes exercem sobre muitos leigos (haja vista quantos questionários são respondidos nas revistas e na internet) pode ser explicada pelo desejo de quantificar e medir características pessoais e comportamentos. E em alguns casos eles têm sua função. Mas ainda que tenham validação científica e possam ser usados para ajudar a entender o quadro clínico, os testes não são definitivos, seja para medir inteligência, seja para determinar a presença de um transtorno mental. Sem dúvida, em algumas abordagens (e em determinados casos) eles são úteis na tarefa de oferecer informações que favoreçam a compreensão da situação clínica de forma mais ampla. Mas não sempre – e raramente de maneira perene. Há ocasiões em que as palavras impressas em um prontuário ou ditas por um profissional acerca de determinado quadro psíquico podem soar como uma espécie de sentença, promovendo a desastrosa rotulação do paciente. No Brasil, muitos psicólogos evitam recorrer a essa ferramenta, pelo menos no primeiro momento. Em vez de apostar em um diagnóstico único, pleno e “definitivo”, acreditam que, em muitos casos, mais importante que reduzir a situação a um único termo é ouvir o paciente, entender sua lógica e seus sintomas. Afinal, é na possibilidade de elaboração, ampliação do espaço psíquico e transformação que se embasa o ofício do psicoterapeuta. (Da redação)
Teste – Sentir, pensar e agir
Para ver o teste completo basta acessar o site http://DoYouNeedTherapy.com. A seguir, a versão abreviada que abrange dez transtornos.
Para fazê-lo, marque todas as afirmações que se aplicam a você:
1- TRANSTORNOS DO CONTROLE DE IMPULSOS
(a) Às vezes não sou capaz de controlar a minha raiva
(b) Frequentemente ajo por impulso, o que, às vezes, traz
grandes problemas
(c) Estou preocupado com as apostas, parece que tenho dificuldades em controlar meu comportamento quanto ao jogo
2- ABUSO DE SUBSTÂNCIAS
(a) Durante o ano passado, tive de ingerir mais bebidas alcoólicas ou usar mais drogas para satisfazer
minhas necessidades
(b) No ano passado tentei, mas não consegui, diminuir a quantidade de bebidas alcoólicas, de drogas ou de cigarros
(c) Durante o ano passado tive de ingerir quantidades cada vez maiores de bebidas alcoólicas ou drogas para me satisfazer ou lidar com meus problemas
3- DEPRESSÃO MAIOR
(a) Nas últimas duas semanas venho tendo dificuldade em sentir qualquer prazer nas atividades diárias de que costumava gostar
(b) Há cerca de 15 dias venho pensando com frequência que quero morrer
(c) Pelo menos durante as duas últimas semanas, venho me sentindo deprimido quase todos os dias
4- FOBIAS ESPECÍFICAS
(a) Tenho medo excessivo ou irracional de algum objeto ou situação
(b) Estou com muito medo de algo, e meu medo interfere em minha capacidade de desenvolver o meu trabalho ou em conduzir a minha vida de maneira normal
(c) Tenho muito medo de um objeto ou uma situação, e quando me exponho a esse estímulo entro em pânico
5- FOBIAS SOCIAIS
(a) Sinto medo de ficar perto de outras pessoas em determinadas situações e percebo que meus medos podem ser irracionais ou excessivos
(b) Em determinadas situações sociais, sinto extrema ansiedade
(c) Sinto grande temor em uma ou mais situações em que eu precise interagir com outras pessoas
6- TRANSTORNOS DA ALIMENTAÇÃO
(a) Costumo comer muito e, em seguida, vomitar ou usar laxantes, ou outros meios radicais, para evitar ganho de peso
(b) Estou preocupado com meu peso ou com a forma do meu corpo e, consequentemente, como ou me exercito de uma forma que algumas pessoas poderiam considerar incomum
(c) Não estou disposto ou não sou capaz de comer ou digerir o alimento em quantidade suficiente para manter o peso saudável
7- TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO
(a) Tenho lembranças perturbadoras relacionadas a um acontecimento traumático que experimentei no passado
(b) Costumo ter sonhos perturbadores sobre uma experiência terrível ocorrida no passado
(c) Às vezes me vejo revivendo o horror de um fato traumático que experimentei no passado
8- TRANSTORNO DE ANSIEDADE GENERALIZADA
(a) Pelo menos durante os últimos seis meses, venho sentindo preocupação e nervosismo excessivos, difíceis de controlar
(b) No mínimo nos últimos seis meses, tenho ficado extremamente ansioso e preocupado com uma série de acontecimentos e atividades diferentes
(c) Pelo menos durante os últimos seis meses, venho me sentindo excepcionalmente agitado, cansado, irritado, tenso ou distraído
9- TRANSTORNO BIPOLAR
(a) Durante o ano passado tive variações súbitas de humor, sem qualquer razão aparente
(b) Meu humor muda rapidamente, de depressivo a esfuziante, sem qualquer motivo aparente
(c) Durante o ano passado o meu humor mudou mais de uma vez de deprimido para esfuziante
10- TRANSTORNO OBSESSIVO-COMPULSIVO
(a) Repito excessivamente certos comportamentos ou pensamentos, sem conseguir parar
(b) Pensamentos frequentes me causam grande ansiedade
(c) Acredito que esses pensamentos possam ser irracionais ou exagerados. Faço ou penso repetidamente
PONTUAÇÃO
Se você deixou todos os itens em branco, parabéns! É provável que a sua saúde mental esteja muito bem. Caso contrário, lembre-se de que esta não é a versão completa do teste e, ainda que fosse, sua aplicação não tem peso diagnóstico. Mas os resultados podem ajudá-lo a pensar como tem se sentido e lidado com os problemas. Se marcou um item em uma ou mais categorias, é possível que esteja passando por situação de angústia que poderia ser mais bem compreendida (ou contornada) com a ajuda de um profissional. Se assinalou dois ou três itens em uma ou mais categorias, talvez seja mesmo uma boa hora para consultar um psicólogo e evitar sofrer sem necessidade, já que a maioria dos problemas de saúde mental podem ser tratados. Mais importante que o resultado do teste, entretanto, é voltar-se para si e perguntar-se se não seria o momento de cuidar de si mesmo. Afinal, quando temos uma dor de dente, por exemplo, não hesitamos em buscar um dentista. Se a dor é na alma, o psicoterapeuta é o profissional mais indicado para cuidar desse desconforto.