"Eu
digo não ao não. Eu digo. É proibido proibir.
É proibido proibir.
É proibido proibir. É proibido proibir."
As repetições não
são minhas. São de Caetano Veloso, em música-hino contra a censura
e a ditadura, em 1968. Franzino e rebelde, ele reagia às vaias no
festival gritando: "Os jovens não entendem nada. Querem matar
amanhã o velhote inimigo que morreu ontem".
Caetano
hoje é a favor - com Chico Buarque, Gilberto Gil, Erasmo Carlos,
Milton Nascimento, Djavan e Roberto Carlos - de proibir biografias
sem autorização prévia dos biografados ou de seus herdeiros. Essa
aliança entre a Tropicália e a Jovem Guarda quer liberar só as
biografias chapa-branca. Nossa "intelligentsia" musical é
formada por mitos enrugados e calejados por seus atos e desatinos.
São músicos brilhantes, mas péssimos legisladores.
Claro
que Caetano tem o direito de mudar de campo e querer proibir. A idade
mudou e, com ela, a cor dos cabelos. Aumentou o tamanho da sunga e a
conta no banco. Anda com lenço e documento. Pode mudar o pensamento.
Por que não? Não seria o primeiro. Quem não se lembra da admiração
tardia de Gláuber Rocha por Golbery do Couto e Silva? Depois do
exílio, em 1974, antes de voltar ao Brasil, Gláuber disse achar
Golbery "um gênio". Pagou por isso.
Caetano
só precisa sair do armário. Abraçado a Renan Calheiros e aos
podres poderes do reacionarismo - hoje travestidos, na América
Latina, de defensores do povo. Na Venezuela, na Argentina, no
Equador, na Bolívia, o movimento é o mesmo de nossos compositores
no Olimpo. A liberdade de expressão é relativa e tem de ser
monitorada e pré-censurada.
Arauto
da vanguarda, Caetano tem o direito de reescrever sua história. Em
vez de matar o amanhã, o chefão da máfia do dendê quer matar o
passado, quando for clandestino e incômodo. Ele agora diz sim ao
não. As lembranças privadas, quando tornadas públicas, podem
incomodar a sesta depois do vatapá.
O
grupo de músicos contra biografias não autorizadas foi intitulado
"Procure saber". Deve ser uma licença poética da MPB,
porque significa o oposto: "Procure esconder". Ou, quem
sabe: "Procure aparecer". Querem acossar nossa
Constituição, favorável à liberdade de expressão, com um artigo
pernicioso do Código Civil. O Artigo 20 estabelece que textos,
palavras e livros poderão ser proibidos por qualquer pessoa, "a
seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe
atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais".
Os
termos são tão subjetivos que poderiam ser usados para cortar e
censurar colunas e composições de nossos músicos combativos. Muita
gente já sentiu sua honra ferida pela verve da MPB e pelas polêmicas
de Caetano na imprensa. Incomoda, portanto, a contradição do
libertário provocador. Só ele pode dizer o que pensa sem pedir
permissão?
Há
outro detalhe que explica a patrulha contra Caetano. Um detalhe
moreno de 1,73 metro de altura, coxas fortes e cabelos compridos. É
sua ex, Paula Lavigne, que aos 13 anos começou a namorá-lo. Hoje
produtora e empresária, Paula ocupa o cargo pomposo de "presidente
da diretoria do grupo Procure Saber", que ela chama de "uma
plataforma profissional de atuação política em defesa dos
interesses da classe"...
É
a mesma que arremessou um BMW blindado contra a garagem do flat onde
se hospedava Caetano logo após a separação. Barrada pelos
seguranças, derrubou o portão de 270 quilos. Gaba-se de ter
multiplicado a fortuna de Caetano. Passou depois a produzir filmes,
discos e shows. Presenteou os fãs com uma foto, em rede social, de
Caetano pelado. Nu frontal.
Paula
tenta ler reportagens antes da publicação, porque acha que pode.
Age como imperatriz louca da Tropicália. Sua resposta, no Twitter, a
uma colunista da Folha de S.Paulo, dizendo que "mulher encalhada
é f...", não faz jus a seu cargo. "Tw ñ paga minhas
contas", tuitou Paula, isso é "muita baixaria" (!).
Ter um porta-voz como ela é suicídio para qualquer causa. Feliz é
Chico que se casou com Marieta Severo, atriz com luz própria,
discrição, inteligência. Quem acredita no discurso de Paula, de
que a preocupação dos músicos é com os lucros do biógrafo e com
o sensacionalismo? No Brasil, biógrafo nenhum fica rico com os
livros.
O
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmou que vetar a
publicação de biografias que não tenham autorização prévia é
"censura" e, por isso, "inadmissível" no estado
de direito. Disse que qualquer eventual calúnia ou difamação deve
ser reparada pelo Judiciário. O músico Alceu Valença concorda:
"Arrisco em dizer que cercear autores seria uma equivocada
tentativa de tapar, calar, esconder e camuflar a história no nosso
tempo e espaço".
Em
seus artigos, Caetano costuma perguntar se nós, brasileiros,
perdemos nossa capacidade de indignação. Ele diz que detesta
demagogia. Nós também. Detestamos demagogia, caretice e
obscurantismo. Apesar de vocês, amanhã há de ser outro dia.