Sidarta Ribeiro entrevista o advogado Emilio Figueiredo, participante da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas.
Como está a discussão sobre lega-lização de drogas no contexto da crise penitenciária? Há boas iniciativas parlamentares?
Emilio Figueiredo: A emergência da barbárie no sistema prisional brasileiro fez o debate da reforma da política de drogas tomar novo fôlego em 2017. O debate já vinha forte, com o extermínio de jovens pobres sob o argumento da repressão ao “tráfico” e o uso terapêutico da maconha por crianças com epilepsia de difícil controle. Hoje, a única iniciativa parlamentar inovadora é o Projeto de Lei 7270/2014 do deputado Jean Wyllys, que descriminaliza todas as drogas e regula o ciclo da maconha. Os demais projetos se resumem a piorar a lei de drogas.
Qual a proposta do Growroom para a legalização da maconha?
Emilio Figueiredo: O Growroom construiu uma proposta de regulação da maconha na qual todos os usos da cannabis são previstos, desde o cultivo doméstico até o industrial, passando pelo cultivo coletivo associativo, religioso, medicinal e comercial. Também há previsão de criação de um regime tributário específico para a maconha e de um observatório para análise de dados sobre os efeitos da regulação.
Qual a importância da maconha para o narcotráfico?
Emilio Figueiredo: Maconha é a droga ilícita mais consumida e uma das substâncias que o Poder Público deixa para o monopólio de pessoas à margem da lei. Além disso, a maconha não tem dose letal e dificilmente causa intoxicação, o que torna o mercado consumidor perene.
O que aprendemos com a experiência do Uruguai?
Emilio Figueiredo: A força do cultivo doméstico e das associações, conhecidas como cannabis social clubs, e a sua eficiência para suprir o mercado. Atualmente, são 5.446 cultivadores cadastrados e 27 clubes em funcionamento, mas, passados três anos da legalização, as empresas ainda não conseguiram colocar a maconha para vender nas farmácias.
Como impedir que a legalização aumente a ocorrência de outros crimes?
Emilio Figueiredo: No Brasil há o bordão de que o país não está pronto para a legalização, que os traficantes irão cometer outros crimes. Primeiro, o Brasil não está em guerra, mas os hospitais do Rio, por exemplo, estão prontos para ferimentos de fuzil. Segundo, os que hoje participam do mercado ilícito só continuarão na ilicitude se não forem incluídos no processo de legalização. Para isso, a legalização deve ser feita com uma função social e não mercadológica, buscando o protagonismo das comunidades que fizeram a resistência à proibição, a inclusão social de pessoas hoje envolvidas com o mercado ilícito que não tenham cometido crimes de sangue e a reparação dos danos históricos da guerra às drogas.
O que falta para a Marcha da Maconha atingir as periferias das grandes metrópoles?
Emilio Figueiredo: A marcha é um evento cosmopolita, realizado em diversas cidades do mundo. No Brasil é feita há 15 anos e desde 2011 a reunião é assegurada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Hoje, há forte participação da periferia em São Paulo, Recife e Fortaleza. Creio que para atingir mais periferias a Marcha da Maconha deve garantir a segurança dos participantes e deixar claro que a periferia é parte interessada fundamental no debate da legalização, portanto deve participar das marchas.
Quais devem ser as bases para uma regulamentação de drogas eficaz e racional?
Emilio Figueiredo: O respeito ao fato social de que pessoas usam drogas, a tolerância entre aqueles que usam ou não usam drogas, o reconhecimento de que é possível o uso das drogas hoje proibidas para o bem-estar, e a primazia da redução de danos para o uso de qualquer droga, seja lícita ou ilícita.
Sidarta Ribeiro - neurobiólogo, diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e professor titular da UFRN.