"TENHO 48 ANOS, DIVORCIADA HÁ 11 ANOS, inteligente, bonita, insegura, não trabalho e vivo em função de duas adolescentes lindas, estudiosas e maduras, que na verdade não precisam mais de mim.
Hoje queria mesmo era um colo de mãe que perdi cedo e um pai hoje doente.
O ano está terminando e me faço a pergunta: por que não fiz nada para mim, "não ter medo da vida" e enfrentá-la como uma mulher adulta?
Mais um ano e minhas filhas me falam: "Mãe, faz alguma coisa para você, você não tem vontade de trabalhar? procura mais as tuas amigas..."
E eu respondo a mesma coisa: "Vocês acham que é fácil arrumar trabalho na minha idade depois de quase anos parada? O dinheiro não dá para tudo, queria que vocês estivessem no meu lugar, é fácil falar!"
Fica aquele clima de: não posso mais só ser MAE, mas não consigo MUDAR.
Já passei por dificuldades emocionais e hoje financeiras... Será que preciso passar por mais algum obstáculo para MUDAR?
Queria tanto que o ano de 2012 fosse diferente...
Angela."
* * * *
TEVE UMA NOITE DIFÍCIL, AGITADA, seu repouso foi bruscamente interrompido por um sonho, ou melhor, um pesadelo que parecia real. Estava numa cama de hospital, imóvel, tentava falar, se levantar, mas seu corpo não obedecia, estava completamente paralisada, com os olhos abertos e perfeitamente lúcida... Nessa hora acordou, angustiada e ao mesmo tempo aliviada, quando comprovou que era apenas um sonho ruim.
Não conseguiu continuar dormindo, respirou fundo e sorriu na escuridão do quarto, entendendo que essa imagem era um recado, uma clara representação da sua vida atual: é verdade que está lúcida e paralisada, de cama, ou em coma talvez, e profundamente angustiada com sua situação...
Aproveitou o duro recado do seu inconsciente para justificar sua insônia. Reviu a cena várias vezes e para ter mais certeza de que não era verdade, alongou seu corpo em extenso movimento, sentiu prazer mexendo braços e pernas. Num salto se colocou de pé e, da janela do seu quarto, viu o amanhecer sobre as copas das árvores, ao tranqüilizador som de uns poucos carros que circulavam pela rua.
O sonho denunciava o que já sabia; o desejo de entrar em atividade, produzir, caminhar, correr, estar viva novamente. Os paralíticos, pensou, sonham com o movimento, os presos, com a liberdade, os surdos com o som, os cegos com a luz... Ela, na contra-mão por estar sadia e ser capaz de fazer movimentos, sonhava com a paralisia...
Que cordas imaginárias a amarravam? Demorou um pouco para responder, porém não teve dúvidas, tinha medo de errar, de ser ridícula. Preferia a impotência subjetiva e clandestina à vergonha pública de ser uma principiante. Ser mãe de dois filhos já adolescentes a fez acreditar que era e seria adulta para sempre e, agora que seus filhos ganhavam a cada dia uma independência maior, ela ficava sem emprego, nem identidade. A maternidade é, sem dúvida, uma ocupação nobre, difícil e intensa, porém não é uma profissão e, além disso, tem data de validade, termina no dia em que os filhos crescem... E eles sempre crescem.
Saímos do quarto da Ângela. Já amanheceu. Começou outro dia, ela está em movimento, mesmo que nada tenha mudado, está menos ansiosa...
Procurou e encontrou a agenda que ganhou no começo do ano e decidiu preencher os espaços em branco das folhas com tarefas... Uma hora diária de caminhada, filmes duas vezes por semana, curso de culinária e línguas pela Internet, visita a exposições, museus, pesquisa de cursos profissionalizantes e instituições que oferecem terapias ao seu alcance...
Comprovou que programar é organizar o tempo e o tempo é o único bem que se perde a cada minuto. Ângela está em mudança. Não será uma transformação da sua vida da noite para o dia. Talvez leve um mês, ou um ano. Precisa entender que depois de duas décadas de trabalho, seus filhos lhe deram o aviso prévio e agora, como ocorre com os desempregados ou aposentados ainda jovens, precisa ser ativa e criativa... Sentir-se imóvel e paralisada é o melhor incentivo para começar a se mexer.
Ângela já começou.
Ângela já começou.