Vínhamos de São Paulo. Eu estava sentado sozinho e à minha frente duas jovens senhoras conversavam:
— Eu corria, corria, e a minha sombra corria atrás de mim com um punhal na mão, querendo me matar. Eu gritava, pedindo ao Rodolfo que me ajudasse, que me tirasse daquele pesadelo, porque eu sabia que era um sonho, entende? Isso é que era interessante. Sabia, mas não conseguia acordar.
— Deus do céu, Lurdinha, que coisa angustiante! E o Rodolfo não acordou com seus gritos e não te sacudiu, pegou um copo d’água, nada?
— Ah, você parece que nem conhece ele! Acordou, claro, mas, enquanto eu contava, aos soluços, a angústia do meu pesadelo, ele olhava para mim e ria, ria, ria.
— Nossa, me dá até medo! Sempre achei seu marido muito egoísta. Ainda bem que era um sonho!
— Um pesadelo!
— Ah, se o Eduardo fosse assim, eu não ia aguentar não.
— Tá admirada? Pois olha: ele faz a mesma coisa na vida real. Uma outra vez eu estava me afogando no mar, a praia vazia, e ele olhava e também não fazia nada. Já estava achando que ia morrer, quando ele finalmente me socorreu e me tirou da água. Sabe o que ele me disse, enquanto eu tossia e punha água pela boca e pelo nariz?
— Nem imagino!
— Que queria ver se eu saía sozinha de uma dificuldade. Que estava fazendo um teste, me experimentando, me avaliando. Que eu era muito mimada e não sabia reagir numa situação difícil. E que ele ia me ensinar a enfrentar as dificuldades da vida.
— Deus do céu, que homem pretensioso! E frio!
— Gelado!
Fez uma pausa e completou:
— Mas tem suas qualidades também. Seu lado bom e quente!
— Tem mesmo é? Me conta.
— Ah, todos os homens têm! São como os sonhos. Bons e maus.
E a jovem — a tal Lurdinha — começou a rir, lembrando-se de alguma coisa…
— Eu vou te contar no que ele é bom e quente, acho que melhor que qualquer outro homem! E riram, maliciosas. Eu estiquei o pescoço para ouvir, mas a voz da comissária cortou a narrativa, dando as instruções de praxe. Já estávamos sobre o Rio.
— Não tenho medo de avião — disse Lurdinha —, mas fico nervosa na hora do pouso.
— E logo quando a sua história ia ficar tão boa!
— E apimentada!
— Conta, vai!
— Ah, agora tenho de fechar os olhos e ficar quietinha. Te conto no táxi. E as duas fecharam os olhos e recostaram-se em suas poltronas. Fiquei frustrado. Eu também estava querendo saber qual o lado bom desse marido que olha a mulher se afogando e fica rindo… Antes que chegássemos à fila do táxi, eu o tempo todo atrás delas, as duas pararam diante de uma banca de jornais.
— E esse escândalo da Petrobras, hein?
— Que roubalheira!
— Ah, mas agora eles pegaram os peixes graúdos!
Vamos ter muita gente na cadeia!
— Você sempre sonhando!
— Como viver sem sonhar?
— É verdade, mas agora me fale das tais qualidades do seu belo marido!
Entraram rindo num táxi e lá foram as duas, levando com elas uma boa história de amor.
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