No
planeta do senso comum, é fascinante observar as reações
diante de
um pensamento diferente
Fernando
Lobo, pai do Edu, comandava um talk-show na falecida TV Continental
do Rio, na década de 1960, quando um convidado lhe declarou: "Bem,
Fernando, não sei se posso responder sua pergunta aqui na TV".
E Lobo: "Pode sim, ninguém vê esse programa, mesmo!"
Assim,
Fernando Lobo se tornou meu santo padroeiro de qualquer apresentação
pública: sou de uma desimportância atroz, de modo que posso falar o
que quiser, onde quiser, que amanhã tudo vira papel de embrulhar
peixe.
É
nesse espírito que tenho frequentado um programa de TV aberta nas
manhãs de segunda-feira, como um antropólogo no planeta do senso
comum, o viés das audiências matinais. É fascinante observar as
reações que causo ao apresentar um pensamento diferente. A seguir,
algumas coisas que aprendi lá sobre a natureza humana.
1.
A predominância maciça do pensamento "ou isto ou aquilo",
a dificuldade de sair do "bandido ou mocinho".
2.
A completa absorção do "politicamente correto" como nova
versão do senso comum.
3.
A dificuldade de pensar estatisticamente ("Ele generaliza
tudo"). Passei a fazer um reparo antes de qualquer afirmação:
"O que falarei diz respeito à maioria. Estou seguro de que você
conhece famílias de 11 filhos homens, mas a maioria é próxima do
meio a meio".
Paixão
dura uns quatro anos? Revolta na plateia. "Sou apaixonado há
quarenta anos!".
"Ok, então o sr. é um dos felizardos da MINORIA." Ele não percebe que a paixão se transformou em amor e companheirismo (o mais comum).
"Ok, então o sr. é um dos felizardos da MINORIA." Ele não percebe que a paixão se transformou em amor e companheirismo (o mais comum).
4.
Forte preconceito contra o preconceito (o politicamente correto
incorporado ao senso comum). "O que causa mais medo? Um pitboy
branco tatuado ou um negro de terno, com uma pasta?", perguntei.
Um músico multitatuado me interpelou dizendo que, em Brasília, um homem de terno lhe meteria mais medo que um tatuado. Não notou que só trocava de preconceito.
Um músico multitatuado me interpelou dizendo que, em Brasília, um homem de terno lhe meteria mais medo que um tatuado. Não notou que só trocava de preconceito.
Nesse
caso, ajudado pela apresentadora, consegui que a maioria aceitasse
que há sempre uma primeira impressão e que o problema é se aferrar
a ela.
3.
A força da frase populista de efeito. Eu mesmo já me utilizei dela
quando, numa discussão sobre a felicidade, disse que ela não era um
porto a se chegar, mas um jeito de viajar. Fui aplaudido em cena
aberta.
Mas
a minha "felicidade" durou pouco. Quando afirmei que a fé
é o dom para aceitar e se entregar ao ilógico e ao absurdo, como
crer que um defunto ressuscitou no terceiro dia, um ator me
interpelou: "Isto não é fé, é dogma. Fé eu tenho no milagre
da vida, no saber de uma pessoa que se cria e respira no líquido, no
ventre de uma mulher".
Foi
ovacionado de pé! Confundiu o absurdo (dogma) com sua aceitação
(fé).
Mesmo
quando disse que, como médico, não precisava de fé para entender o
processo de reprodução, e saber que fetos não "respiram no
líquido", e sim, que se abastecem de oxigênio através do
sangue da mãe, a plateia me ouviu com indiferença, pois estavam
encantados com a frase de efeito do ator.
Mas
alguém em casa deve ter me ouvido, e eu aprendi um pouco mais sobre
a natureza humana, e isso me basta.