O ciúme é um sentimento universal que nunca deixará de existir, afirmam muitos especialistas. Não é o que pensa a psicanalista e sexóloga Regina Navarro Lins. Para ela, ainda estamos só começando a aprender a evitar o ciúme, mas a tendência é que ele desapareça. O sexo vem perdendo conexão com a continuidade da espécie e, no futuro, muitas pessoas poderão manter relações estáveis com vários parceiros ao mesmo tempo, afirma Regina em O Livro de Ouro do Sexo (Ediouro, 2005), que escreveu com o marido, Flávio Braga. Segundo ela, a exigência de exclusividade do parceiro tende a desaparecer e, com isso, o ciúme vai perder sua sustentação. Para entender a tese, é preciso saber de onde vem o ciúme. Segundo algumas teorias, esse sentimento que atormenta tanta gente se deve a um mecanismo de defesa: evitar a traição. De acordo com psicólogos evolucionários, o ciúme é um mecanismo criado ao longo de várias gerações para garantir o sucesso reprodutivo – assim como a girafa passou a ter o pescoço mais longo, o ciúme teria sido uma evolução adaptativa do ser humano. O homem precisava evitar que sua parceira fosse infiel para ter certeza de que os filhos eram mesmo seus descendentes. Já a mulher precisava manter as atenções materiais e afetivas de seu companheiro para impedir que recursos importantes na criação da prole fossem desviados para uma rival, explica o psicólogo americano David Buss, autor de A Paixão Perigosa (Objetiva, 2000).
Utilidade em xeque
E assim teria surgido o ciúme, um complexo de pensamentos, sentimentos e ações que se manifestam quando um dos parceiros acha que a relação amorosa está sendo ameaçada. Ou seja, uma forma de defesa. Isso explicaria por que os homens demonstram mais ciúme das traições sexuais de suas parceiras, enquanto as mulheres temem a infidelidade emocional. Mas o mundo mudou muito. O teste de DNA pode eliminar a dúvida da paternidade e as mulheres ganham cada vez mais autonomia para cuidar de si mesmas e dos filhos. Será o fim do ciúme? “Mesmo que o ciúme não sirva mais para as funções para as quais foi desenvolvido, ele vai continuar a operar por várias gerações”, acredita David Buss.
Para Regina, é impossível prever em quantas gerações, mas o fim do ciúme estaria garantido porque “está em declínio a ilusão de que se possa resolver a própria existência por meio do outro”. Segundo ela, a tendência é que as pessoas deixem de abrir mão da individualidade e passem a se ver mais como dois conjuntos autônomos que como metades de uma unidade. E, sem dependência, não haveria ciúme. As relações deixariam de ser de exclusividade e teriam vários parceiros.
O psiquiatra Eduardo Ferreira-Santos, autor de Ciúme – O Medo da Perda (Claridade, 2003), pensa diferente. Para ele, ciúme é um desejo de posse e surge da desconfiança inconsciente de que não é capaz de possuir o outro. E isso vem de uma falha na auto-estima. Quando deparamos com um adversário em potencial, analisamos seus valores (beleza, posição social, cultura), comparamos com os nossos e verificamos se o que ele tem de vantagem é um valor importante para nossa parceira. Caso seja, nos sentimos ameaçados. “Ninguém é um super-herói. Todos temos pontos fracos e, por isso, não dá para existir alguém que não sinta ciúme”, afirma Ferreira-Santos.
Egoísmo ou amor?
A intensidade do ciúme pode variar bastante, de simples zelo ao estágio patológico, segundo Ferreira-Santos. O zelo é um sentimento altruísta em que o foco é o bem-estar do outro. “Esse estaria ligado ao amor e não ao ciúme, que é egoísta na essência.” O ciúme, mesmo pequeno, quer a posse, serve ao amor-próprio. “É o oposto do amor”, afirma o psiquiatra.
Já Ailton Amélio, professor da disciplina de Relacionamento Amoroso do Instituto de Psicologia da USP, acredita que um pouquinho de ciúme é “sinal de amor”, e a sua completa ausência indica que não há vínculo afetivo. “O ciúme é uma síndrome positiva, ao contrário de infantil e egoísta, pois ajuda a preservar a relação”, diz Amélio. Mas ele ressalta: isso funciona quando o ciúme é pequeno e proporcional aos riscos de traição.
O difícil é descobrir a fronteira entre o ciúme dito normal e o patológico. Para Ferreira-Santos, é simples: esse sentimento vira um transtorno (leve, moderado ou grave) e precisa ser tratado quando incomoda a pessoa e o outro. E um quarto estágio, de verdadeiro caso patológico, ocorre quando o ciumento tem delírios de que seu parceiro está traindo e, mesmo que isso tenha sido criado por sua mente, tem certeza sobre o fato. Esses casos são conhecidos como síndrome de Otelo e têm um componente neurológico importante, podendo estar associados a alcoolismo, demências ou doença de Parkinson.
Amélio chama a atenção para um dado intrigante: a prática mostra que, muitas vezes, o paciente tratado como ciumento delirante realmente estava sendo traído. No livro Descobrimento Sexual do Brasil (Summus, 2004), a psiquiatra Carmita Abdo revela dados que confirmam o medo da traição. Conforme o estudo, as mulheres casadas têm 1,14 (mais de um!) parceiro sexual em um ano e os homens, 1,96 (quase duas!).
P/ Patrícia Pereira