Estou chegando do belo Festival de Poesia de Córdoba, Argentina. É uma cidade para gostar, mais antiga que Buenos Aires, fortemente marcada pelo passado religioso. Tem uma particularidade que nunca encontrei em outra no mundo, ruas de pedestres coroadas ao alto por uma treliça abobadada, onde se espraiam buganvílias. O ano inteiro protegem os passantes com sua sombra, mas penso na maravilha que há de ser, ao tempo da floração, caminhar debaixo daquele rendado de cores, roxo e rosa e laranja e branco. Haverá flores caídas no chão e espero que os garis tenham o bom senso de deixá-las viver pelo menos por algumas horas, embora já mortas.
Pois essa cidade me deu de presente duas histórias, que deixo aqui, resumidas.
A primeira acontece lá pelos idos de mil setecentos e tal. Uma casa grande, a bem dizer, uma mansão que ocupa metade de um quarteirão. Jardim em volta. Talvez já fosse rosa e branca como é hoje, e certamente, como hoje era de um belo barroco espanhol. Nessa mansão morava a família de um homem muito rico e muito importante, ou muito importante e muito rico, fatores indissolúveis não importando a ordem. A família era como a casa, muito grande. Mas, surpreendentemente, de poucos homens. Pouquíssimos. Aliás, só o velho pai e seu filho. No mais, mulheres.
Como era da ordem natural das coisas, um dia o patriarca fechou os olhos em caráter definitivo. Luto na família, silêncio e trajes negros. Na capela da casa, ora-se. Passa um tempo. E eis que, inesperadamente, o jovem segue o mesmo caminho do pai, olhos fechados e mão cruzadas sobre o peito.
O luto parece agora insuficiente, gasto que foi na primeira morte. Sob a voz da matriarca, que assumiu o comando da família, as mulheres se reúnem. Podemos imaginá-las, todas negrovestidas, ao redor da mesa de jantar, as mais importantes sentadas; as outras, de pé. Ali, juntas, decidem: se tornarão freiras, mas não de ordem ou convento já existente. A clausura da qual nunca mais sairão será a própria casa.
As ordens são dadas. Muram-se as janelas que olham para a rua, ergue-se o muro ao redor. E ali elas se trancam, viúvas, filhas, noras, tias, agregadas, mucamas, cozinheiras.
O que se passou atrás daquelas paredes nunca se soube. Um dia, porém, depois de longo tempo, o portão do muro se abriu, deixando sair uma das mulheres. Não saía para a vida. Atravessou a rua, atravessou a praça e, do outro lado, sem dar explicações de que se tenha registro, fundou outro convento, outra clausura, onde, com novas companheiras, manteve sua renúncia ao sol.
A segunda história se passou cerca da mesma época. A cúria, ou o bispo ou apenas um prelado –, nada entendo de escalões eclesiásticos –, desejou construir uma nova igreja. Não uma igreja qualquer, que já havia muitas na cidade, mas uma igreja de imponência e beleza superiores às demais. Para isso, uma cúpula era indispensável. Convocado, o construtor mais renomado da cidade aceitou a importantíssima encomenda, sem revelar um detalhe: não entendia nada de cúpulas. Mas entendia de barcos, havia construído vários. E quando afinal as paredes da igreja ficaram prontas, em vez de coroá-las com uma cúpula, depositou no alto um enorme casco de navio invertido, todo em madeira. A igreja é até hoje uma atração.