Rita Lee (Fotos: Guilherme Samora)
Os números são astronômicos: maior vendedora de discos do Brasil, mulher que tem a maior quantidade de hits nas paradas do país e campeã de músicas em aberturas de novelas. Os sucessos – dezenas – embalaram e continuam a embalar diferentes gerações. Os discos são vendidos no Brasil e fora dele. Mas, aos 68 anos, vivíssima e cheia de graça, Rita Lee considera:“O maior luxo da vida é dar amor aos bichos e ter uma horta”.
E continua: “Quanto mais simples, melhor. Fazer economia é chique e ecológico. Nessa visão, poder comer da própria horta é um luxo. Eu não quero ter uma Ferrari e ficar me exibindo em rua esburacada. Eu não tenho deslumbre. Não vou me entupir de coisas materiais sem sentido, mansões genéricas...Eu gosto de ficar bem na minha, com meus bichos, que são entidades com as quais divido minha vida. Eu fico comovida quando eu lido com eles, quando os trato, quando trocamos figurinha telepaticamente. É um luxo! Vivo cercada de bichos por carência do divino. E eles são o divino”.
A melhor terapia
Avessa a badalações e curtindo os bichos e a família, a vida da grande artista – cujo nome já está gravado entre os maiores da música mundial – se torna naturalmente alvo de curiosidade. Aposentada dos palcos – mas não da música –, Rita compõe, grava quando quer no estúdio que tem em casa, e, nos últimos tempos, dedicou-se a escrever sua autobiografia, que está sendo lançada pela Globo Livros. “Ao escrever o livro, achei que falar dos traumas da vida seria muito mais pesado do que foi. Senti que foi bom: percebi que nada era tão ruim quanto eu achava. Esses assuntos ficavam como uma nuvem na minha cabeça, em cantos meio escuros, sem que eu pensasse muito neles. Colocar no papel foi a melhor terapia que fiz na vida. Me fez um bem danado. Escrevi e me libertei. Aliás, escrever a bio foi como se eu estivesse me olhando de fora. Sabe quando dizem que antes da morte passa aquele filminho da nossa vida toda? Foi assim que aconteceu, vi o filminho. Mas com a diferença de que estou viva”, descreve, nessa raríssima entrevista cara a cara.
Bem viva, cheia de saúde (“Às vezes a coluna grita, mas não posso reclamar”) e linda com seus cabelos grisalhos, ela está em paz. “Estou gostando muito desta Rita de hoje. Ela é a mais familiar para mim. Sinto que sempre fui essa daqui e representei as outras. Gostei de várias delas, não gostei de outras. E, se eu quiser, às vezes puxo arquivos das outras: posso voltar à criança, à grávida... Mas sinto que essa sou eu, com meu cabelo branco, minhas rugas, de bem com tudo o que vivi e continuo vivendo”.
Nasce uma grande escritora
Rita não precisa mais provar nada. Sua música permanece atual, relevante. Tanto que, nas ruas, seu público vai de crianças a senhoras e senhores. Com um grande apelo entre jovens e adolescentes. Uns param a artista para dizer que se consideram as ovelhas negras da família, outros têm “Mania de Você” como trilha sonora de uma paixão, alguns se identificam com a rebeldia de “Orra Meu”, existem os que se sentem protegidos ao ouvir “Reza”. “Eu dou muito valor para isso. Aquela música, que era uma coisa minha, torna-se algo legal para outra pessoa, que me conta que fez bem para ela. Fico achando que é para isso que fiz música.”
Além das glórias nas paradas, nossa roqueira maior passeou com muito sucesso por novelas, filmes, apresentou programas de TV, fez rádio, teatro, musicais, pintou quadros... A biografia de Rita é pra lá de saborosa e ela nos revela mais uma faceta: a de grande escritora. A infância, passando pelo início da carreira, a prisão em 1976, o encontro de almas com o marido, Roberto de Carvalho, com quem pariu clássicos e três filhos, Beto, João e Antonio – tudo é documentado de maneira honesta. E com detalhes históricos que emocionam. É daqueles livros que não se consegue parar de ler.
“Não tenho deslumbre.
Não vou me entupir de coisas materiais sem sentido"
Não vou me entupir de coisas materiais sem sentido"
Nas páginas, Rita trata também da paixão por um tema que cercou sua vida desde pequena: os extraterrestres. E se ela avistasse um disco voador e ainda pudesse pedir para viajar para qualquer tempo? "Se um disco voador aparecesse na minha frente eu entraria direto! Meu sonho! Depois, se eles me oferecessem essa gentileza de me levar para qualquer tempo ou lugar, pediria para dar uma volta no futuro. Queria espiar como serão meus bisnetos, os filhos de Izabella (filha de Beto). Ver também como ela estará, o que fez da vida dela. E depois daria um pulinho no passado, para visitar minha infância, meu pai e minha mãe. Se bem que com a bio foi isso que eu fiz: eu visitei o que já vivi. É impressionante como minha memória dessa época mais antiga é boa. Lembro de tudo, com os mínimos detalhes. Lembro com mais clareza dos meus 5 anos do que o que eu fiz ontem!”
E se nesse passeio encontrasse com a Rita dos 17 anos e pudesse dar um conselho a ela? Envelheça! Mas saiba que envelhecer é uma loucura! Envelhecer não é para maricas. Daria conselhos para ter mais cuidado com a postura, com a coluna! E também diria: experimente todas as coisas que quiser, mas se proteja um pouco mais. Não precisa entrar tão de sola em tudo. Dá uma maneirada em uma coisa ou outra.Ah, e faça música: vai dar tudo certo.” E como deu, Rita! É um orgulho ter uma artista como você entre nós. Muito obrigado por existir e por dividir sua música e sua vida com a gente.
Capa de Rita Lee,
Uma Autobiografia, lançada pela Globo Livros
Rita Lee - uma autoentrevista
Rita Lee: Você sempre disse que só depois de morta uma biografia sua ficaria completa. O que a fez mudar de ideia?
Rita Lee: Minha vida como “artista performática” morreu, a biografia que escrevi é sobre aquela pessoa que um dia fui.
Falando em vida, você acredita em Deus?
Desse deus à imagem e semelhança dos humanos sou atéia... Entendo o Divino através dos animais, das plantas e das pedras. Sou meditante e pratico a iconofilia colecionando imagens de santinhos e divindades de todas as religiões. E luxo para mim não é ter uma Ferrari, é comer da minha própria horta.
Tem saudade do palco?
Nenhuma: 50 anos chacoalhando o esqueleto foi a conta certa.
O que acha do panorama da música do Brasil de hoje?
Aquele meu velho refrão continua atualíssimo: “Ai, ai meu Deus, o que foi que aconteceu com a Música Popular Brasileira? Todos falam sério, todos eles levam a sério, mas esse sério me parece brincadeira!”.
Como você encara a passagem do tempo?
Envelhecer não é para maricas. Dizer que a idade está na cabeça é debochar da minha coluna vertebral. Nada contra quem apela a botoxes e plásticas, mas eu “garrei” carinho nas minhas rugas, pelancas e cabelos brancos, essa é a minha old new face.
A notícia de que você vai ingressar na vida política procede?
(Rita Lee boceja e já ia declarar a entrevista por encerrada quando vem a pergunta que não quer calar.)
Rita, você vai voltar para os Mutantes?
Zzzzzz...
TEXTO E FOTOS: GUILHERME SAMORA
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A ALMA ESTÁ NA CABEÇA - Dr. Paulo Niemeyer Filho
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