Tudo dentro do planejado. Com alguma folga. Ótimo, dá tempo de tomar um coco apreciando esse pôr do sol maravilhoso. Realmente, a meditação tem me feito muito bem, pensou Jair.
Ele avista seu alvo a uma distância ideal. Levanta-se e mistura-se entre os “corredores” que passam. Regula seus passos no ritmo dos mais lentos. Quando percebe a aproximação esperada, reduz ainda mais um pouco seu ritmo, de modo que durante a ultrapassagem do alvo possa haver alguma troca de expressões. Após a ultrapassagem, a distância aumenta apenas um pouco, o suficiente. E assim foram e voltaram até o arpoador. Na volta, a distância ficara bem maior, poderia despertar suspeitas manter uma distância próxima. Ele sabe onde o alvo vai parar.
Nos últimos metros ele dá um pique mais puxado e quando para no quiosque está bem ofegante, como deveria. Não foi difícil surgir um assuntos entre os dois enquanto tomam um coco. Quando o alvo se despede, já existe uma certa camaradagem carioca entre corredores de praia.
A partir daquele momento tudo tinha que ser preciso. Assim que o alvo atravessa as duas pistas da praia, na direção da Rua Cupertino Durão, ele apressa o passo e rapidamente está do outro lado da rua, onde sabe que o alvo tem de passar. Encosta-se numa das árvores, entre dois carros estacionados, e aguarda. Ninguém vindo de nenhum dos lados.
O alvo passa e é abordado.
- Sérgio, isso aqui é uma arma. Fica quieto e presta atenção. Vamos até a sua casa, andando devagar e conversando como dois amigos. Se você fizer qualquer coisa errada morre na hora. Ouviu? Responde! Ouviu?
Sérgio estava paralisado. Apenas balbuciou um sim quase inaudível.
Jair continua.
- Quanto mais nervoso você ficar mais perigoso fica para nós dois. Então tenta ficar calmo e tudo vai dar certo. Prometo pra você.
Com a arma dentro do agasalho, mas já devidamente apresentada a Sérgio, os dois começam a andar na direção do elegante prédio do jovem deputado.
Sobem direto sem parar na portaria. Morador não precisa se identificar. E a maioria, nesses prédios, não dá boa noite a porteiros.
Sérgio mora sozinho.
Na ampla sala, Sérgio ainda não sabe o que estava realmente acontecendo. Um assalto comum não é. Está na cara.
Sérgio nunca fora dos mais corajosos, por isso estava acostumado a ser submisso sem questionar. Jair o manda sentar no sofá da sala e ele obedece.
À essa altura, por todo o contexto percebido, Sérgio tem quase certeza que sabe porque Jair está ali.
Sérgio ainda bastante nervoso tenta amenizar o clima.
- Fica tranqüilo, pode levar tudo o que você quiser. Não vou causar nenhum problema. Só quero ficar vivo.
Sérgio ainda tem a voz bastante trêmula.
- Sérgio, sei que você tem 1,5 milhão de dólares em dinheiro vivo aqui no seu apartamento. Sei a que horas, onde e a mando de quem você pegou essa grana. Sei que ninguém pode saber que esse dinheiro existe e muito menos que está aqui na sua casa.
Sérgio ficou completamente branco. Pensou que seria roubado, mas aquilo era bem mais do que isso. Definitivamente não era um simples assalto. Tinha algo a mais por trás.
- Você é policial federal? Perguntou Sérgio.
- Sorte sua que não!! Respondeu Jair soltando um riso.
Mesmo sem ainda entender direito, Sérgio já está um pouco mais calmo. Já percebera que não está lidando com ladrãozinho pé de chinelo. Pelo linguajar e pela postura, Jair é profissional. Talvez até das forças públicas. Na verdade, não dava para fazer idéia de quem se trata e de onde surgiu aquele Jair.
Jair pega seu celular e começa a filmar Sérgio.
- Você vai gravar? O quê? Pergunta Sérgio.
- Se levanta e vai pegar a mala com o dinheiro. Diz Jair apontando o celular.
Sérgio hesita:
- Não está mais aqui... o secretário do senador já pegou...
A voz de Sérgio falha e irrita Jair, que rapidamente troca o celular pela pistola e aponta para ele.
O corajoso deputado começa a chorar, e revela que a mala está dentro do armário no quarto dele.
Jair não segura o riso. Os dois se recompõe, Jair volta a falar manso e nota que o deputado havia mijado nas calças.
Enquanto Sérgio entra em seu quarto, abre o armário, pega a mala, coloca-a sobre sua cama e a abre, Jair grava tudo ininterruptamente com o celular. Enquandrando o quarto inteiro, alternando com closes da mala e dos retratos no quarto do deputado, para caracterizar com detalhes onde estão.
A seguir, vão para a sala onde Jair também o grava com a mala aberta sobre a mesa de jantar e a sala inteira ao fundo.
Pronto, aquele vídeo não deixa dúvidas de que aquele dinheiro esteve com o deputado dentro de sua casa.
Jair recolhe a mala com o dinheiro. Diante do atônito e corajoso deputado mijado, recoloca seu agasalho esportivo e guarda o celular e a pistola no bolso.
- Bem Sérgio, agora vai ser o seguinte. Daqui a duas horas vou enviar para você, pelo seu whatsApp, o vídeo que fizemos agora. Ou seja, eu tenho a prova de que você estava com 1,5 milhão de dólares em dinheiro vivo e que não tem como explicar como vieram parar aqui sem comprometer muita gente graúda. Mostre esse vídeo para a sua “galera”, porque isso também garante que você não pode ser preso para não delatar. Ou seja, não aconteceu nada. Se eu souber que tem alguém atrás de mim, jogo esse vídeo na internet na hora.
Sérgio ouvira calado e calado permanecia. Não tinha nada a dizer. Não podia fazer nada. A não ser aguardar o vídeo para garantir que continuaria vivo e interessante para o poder que representava.
Jair sai do prédio tranquilamente, não sem antes perguntar ao porteiro quanto estava o jogo no Maraca.
Este conto faz parte do Livro "A Casa Encantada - Contos do Leblon"
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