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A PRIMEIRA DE FLÓRIS - Edmir Saint-Clair

 

A música é a arte que nos permite expressar emoções, contar histórias e nos conectar uns com os outros sem palavras, de uma forma única e mágica. A música não existe no mundo físico. Não se pode capturar uma música com as mãos, não se pode possuí-la, aprisioná-la.

 Para aqueles que compõem, a importância vital é ainda maior. É uma mistura de paixão, desabafo, desejo, inspiração e criatividade que resulta em algo totalmente etéreo que se expressa na linguagem da alma, que só as emoções entendem.

Foi assim que aquele momento especial aconteceu a esses três amigos/músicos que se conheciam e tocavam juntos há décadas. Dois deles começaram a tocar e, sem palavras, sem olhares, sem nada, começaram a executar uma música inédita que nascia naquele momento, a cada nota tocada. Uma música com alma própria, que parecia ter estado esperando a vida toda por esse momento para nascer.

O terceiro músico, que afinava seu instrumento, teve uma sensibilidade igualmente única e sublime. Ele soube que tinha que ficar em silêncio, soube que precisava apenas observar e sentir. Seu silêncio era o melhor que podia doar para que aquele momento continuasse se realizando. A prova viva de que o silêncio é parte essencial da música. E assim, juntos, eles criaram algo inesquecível.

Essa foi a última música que os três criaram juntos, sem saberem que seria assim. Uma música que nasceu do nada, de tudo que já tinham tocado e vivido juntos, de uma mistura de emoções e inspiração que fluíram livremente pela última vez. Um momento perfeito, coroado com a criação de uma composição que pareceu ter vindo do além para marcar aquele momento, igualmente transcendental, para sempre.


 

CONVERSAS NECESSÁRIAS – Edmir Saint-Clair

Todos nós temos pendências emocionais. 
Assuntos que nos incomodam e que evitamos pensar.

Algumas dessas questões são com pessoas importantes em nossas vidas. Importantes demais para que as deixemos se perderem de nós sem que, pelo menos, aconteça uma tentativa de esclarecimento que deixe, ao menos, a alma mais leve.

Quantas vezes, não nos  pegamos divagando numa suposta conversa com aquela(e) ex com quem tivemos um final confuso e cheio de mal entendidos. Ou, a conversa com o parente próximo, com quem tivemos conflitos nunca esclarecidos. Às vezes, nos afastamos de pessoas queridas por nunca termos tido a iniciativa de uma conversa que pode trazer luz aquele assunto pendente. Para esclarecer. Clarear a questão. Buscar um entendimento.

A maioria de nós, tem a tendência de ir acumulando pendências. Questões mal resolvidas, varridas para debaixo do tapete. Situações mal paradas. Incômodas. Das quais não nos damos conta na maior parte do tempo, mas que brotam nos momentos mais improváveis e incômodos, sempre atrapalhando alguma coisa.

Situações que poderiam ter sido esclarecidas e não foram.  E, por isso, criaram distâncias intransponíveis. Uma nódoa que incomoda num dia branco.

Uma coisa é certa, não adianta tentar tocar em frente aquela relação que sofre com pendências. Não adianta tentar varrer para debaixo do tapete. Porque na vida não tem tapete, e o chão é sempre duro. E, também, não tem embaixo, nem em cima. É tudo a mesma vida, uma coisa só.

Não podemos deixar tudo a cargo do tempo. Essas conversas necessárias tem que acontecer sob pena de se transformarem naquelas terríveis dores nas costas que nos fazem entrevar diante de seu peso invisível. Temos que correr atrás, agir para esclarecer nossos mal entendidos com as pessoas queridas. Não podemos deixar algo tão importante por conta do acaso. É muito arriscado e a vida é uma só.

O tempo não pára. E, se deixarmos por conta dele as distâncias podem se alongar até que a possibilidade de volta não exista mais. Não existe relação, em nenhum nível, que não possa ser estragada pela falta de esclarecimentos mútuos sobre assuntos mal resolvidos. A mágoa deixa marcas, cria barreiras e distâncias que o tempo não resolve, ao contrário, só alimenta.

Esclarecer pendências com as pessoas queridas é necessário.  É o único caminho para que a distância definitiva não se estabeleça. 

Poder ver, através do olhar de quem amamos, a nossa versão mais bonita é um dos momentos mais sublimes e felizes que podemos experimentar na vida. Sentir o amor de quem amamos é ser feliz. Perder essa possibilidade é perder um pedaço gigante de felicidade possível. 

Definitivamente, varrer pendências emocionais para debaixo do tapete é um erro que pode custar muito caro. Pode nos custar quem amamos.

 – Edmir Saint-Clair

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CRESCER - Edmir Saint-Clair


 

Temos raiva de nossos sonhos de criança, são eles que nos impõe todas as desilusões.  E, quando elas acontecem, e não sabemos lidar adequadamente com os sentimentos que as decpeções nos impõe, nos distanciamos de nós mesmos, às vezes tanto, que nos tornamos ninguém. 

Apenas seres sem sonhos, buscando os sonhos que  não mais tem.

Somos o que sonhamos. Somos o que sentimos. Somos o que amamos. Eternas crianças com uma enorme capacidade de amar, sorrir e sonhar. Ansiosos, por dividir nosso amor, nossos sorrisos, nossos medos e nossos sonhos.  

Podemos agir como nossos próprios anjos, e acreditar no nosso melhor apesar de todos os pesares. 
Ou ser, para nós mesmos, os próprios demônios que tememos e projetamos nos outros. 

Crescer é fazer a opção e enfrentar as consequências.

 

O QUE É MODERNIDADE LÍQUIDA? - Edmir Saint-Clair

Forjado Por Zygmunt Bauman, sociólogo polonês que residiu a maior parte da vida na Inglaterra, o termo Modernidade Líquida veio para substituir o termo pós-modernidade com o qual ele trabalhava originalmente.

A noção de Mundo líquido, mundo sem forma.

Na minha infância todas as coisas geravam certezas. Me criaram com certezas absolutas. 

O ideal era fazer o concurso para o Banco do Brasil ou coisas semelhantes. Ou seja, era fazer isso a vida inteira e depois morrer.  As certezas eram dadas e, na maioria das vezes, colhidas por aqueles que lhes acatavam as regras.

O mundo dos meus pais já não existe mais, um mundo de certezas. Mães e pais batiam nos filhos certos de que estavam fazendo o que era correto, essa era a regra que eles haviam aprendido. Batiam sem culpa alguma. Sem trauma, sem psicologia e sem questionamentos porque era o “certo”. Era assim desde as avós das minhas avós. Era época de certezas absolutas.

Sob o prisma da liquidez de Bauman, essa época está irremediavelmente obsoleta. 

Zygmund Bauman simboliza em seus escritos a sociedade conectada, permanentemente ligada a internet e que  desconhece a noção de individualidade e intimidade

A sociedade líquida é essa que comunica a foto do almoço, que posta “estou indo deitar”, “partiu academia”, que troca mensagens sobre tudo que faz o tempo todo. Não tem mais vida interna, vida interior, íntima. Quanto mais jovem, mais assim estão sendo.

Já que a morte por idade avançada é inevitável, por conseqüência teremos num futuro próximo uma geração inteira com essas características.

A liquidez que Bauman identifica atinge todos os setores das relações humanas, principalmente, os valores.  As antigas definições de valores e circunscrições morais deixaram de ter utilidade. O Filho bastardo tem o mesmo grau de legitimidade do que qualquer outro. A leitura é genética e não de valores. Os valores não são mais vistos como definitivos. Essa é uma mudança muito significativa e relevante. Na mesma linha, as relações amorosas passaram e passam pelo mesmo processo.  

A meu ver, em ambos os casos, em direção a uma “verdade” essencial. Mais verdade e menos fantasia. Como deve ser tratado para o entendimento real dos fatos.

A ideia do mundo líquido espalha de forma abrangente esse conceito de constante mutação a todas as interações humanas e crenças individuais.  A inconstância modificando e se impondo em todos os campos.

As relações líquidas não estabelecem nenhuma garantia. Se você tentar pegar na sua mão o que se entende como sua família, você não consegue. Não existe nenhuma garantia de que a sua relação com aquelas pessoas não podem se acabar a qualquer momento. Não há garantia de que uma pessoa que está ao seu lado agora vai estar com você em qualquer futuro próximo. Seja que tipo de parentesco você tenha com ela. 

Segundo Bauman, nenhum tipo de relação, atualmente, tem qualquer tipo de idéia de solidez. São como água, se você apertar nas mãos, ela escorrerá por entre os dedos. A qualquer momento ela pode acabar não há nenhuma garantia de continuidade. Principalmente, porque as relações são alimentadas pelo mesmo princípio que rege cada vontade individual. Ou seja, eu mereço ser feliz e nada pode me impedir disso. Nem que seja só por um curto período. A idéia de doação para algo futuro parece ter desaparecido.

 Quando a pessoa que estiver do meu lado não preencher os requisitos da felicidade a qual eu tenho direito eu a troco.

O mundo líquido é uma visão do mundo sob a perspectiva de que nada está concretamente definido em sua própria definição.

Tudo pode e vai mudar. Necessariamente. É claro que, em se tratando de interações humanas, a mente e o pensamento é que vão determinar essas intensidades e direções. Essa visão, segundo o próprio Bauman, nos ajuda a tomar cuidado com essa ingenuidade de que você consegue ser uma entidade absolutamente individualizada e que isso vá solucionar todos os seus dilemas de vida. Os fatores são absolutamente voláteis e impossíveis de serem previstos. As variáveis são incontáveis. Isso detona qualquer idéia de estabilidade possível.

Sob essa perspectiva, todas as relações estão fadadas ao fracasso por serem determinadas por um sentimento individualista legitimado pela máxima de que ninguém é obrigado a suportar nada que não o faça “feliz”. Em momento algum. Ou seja, qualquer ponto de atrito liquefaz a relação. E, ele surgirá necessariamente, e com isso todos concordamos. O que antes era suportado como “fazendo parte”, hoje é visto como ponto de ruptura intransponível.

É difícil saber se esses movimentos são apenas um intermezzo entre a visão anterior e  um outro pacto que ainda não vislumbramos.

O que me parece bastante claro é que Bauman é o pensador que melhor consegue compreender e descrever o que está ocorrendo no mundo, hoje.
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AMAR O TEMPO – Poesia - Edmir Saint-Clair



Todo minuto é momento
Um invento, um sentido, 
Por fora, por dentro,
É cada segundo, sem tempo,
É quase nada no vento

A vida são horas correndo 
e se existe ou não um destino,
Ele é só um menino que não sabe onde vai

A verdade é que nada se sabe, 
Se é do errado que se chega ao certo,
Se é para frente, para trás ou para os lados,
Porque não tem lado certo, nem errado
Não tem nem em cima, nem embaixo

E os minutos continuam correndo,
E a gente sempre mais lentos,
Sem saber para que andar
Já que é o tempo que nos carrega
Até onde quiser nos levar

Que me leve em qualquer pé de vento

Para um tempo que seja de amar
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UM OUTRO MUNDO – Poesia - Edmir Saint-Clair


Enquanto a noite amanhece lenta
Nossos Corpos se reconhecem quentes
Revelando mundos
 Que afinal se entendem

Muito, todo, tudo
Sangue trocando de veia,
Renascendo dentro de um mundo à parte
Construído pela arte que só quem ama sabe fazer

Onde a alegria manda, onde o desejo ganha
Onde o tocar das bocas é a fala mais urgente
Um mundo além do mundo
Um mundo além do sonho
Um mundo além da gente
Porque ao sonho faltam 
a tua carne, as tuas unhas e os teus dentes.
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A SOLIDÃO E O FACEBOOK - Edmir Saint-Clair

Talvez, para quem tenha crescido acostumado a encontrar os amigos pessoalmente para desabafar e pedir socorro, a coisa seja ainda pior. 

Sempre fico surpreso pelo números de “amigos” no meu FB, e, às vezes, muito alegre por me lembrar de boa parte deles, que me remetem à várias fases da minha vida.

Mas, na hora que a solidão bate com força a coisa muda de figura. E, essas centenas de “amigos” não mudam a dor emocional de uma separação, nem da saudade de um ente querido que se foi, aumentando mais ainda a falta e a sensação de vazio.

Numa dessas horas, em que a gente busca um ombro amigo porque está muito pesado suportar sozinho aquele momento em que até sua própria alma parece que vai desistir e abandonar você, resolvi abrir o bate-papo do FB. Resolvi procurar um amigo ou amiga que me desse colo.

Haviam dezenas ou centenas de “amigos” online. Depois de trocar palavras com uns poucos que achei que me perguntariam, com real interesse, como eu estava de verdade, daquele jeito que nos dá espaço para falar sobre nossas emoções, fui ficando ainda mais solitário. Não aparecia uma fresta sequer, naquelas conversas, onde pudesse colocar minha tristeza.

Fiquei mais de meia hora indo pra cima e pra baixo daquela lista grande de nomes, buscando apenas um que me ajudasse a passar aquele momento.

Cheguei a triste conclusão que, quando a dor é real, o mundo virtual não a alcança. Ele não tem braços pra abraçar, não tem calor pra aquecer o frio da alma. Não tem colo pra te dar. E não chora junto com você. E nem ajuda a secar as suas lágrimas com aquele toque de gente, humano, quente, de quem está ali dando atenção à sua dor. Mostrando que se importa com você  dando, não seu tempo virtual, mas seu tempo real, parte de sua vida, para te ajudar.

Às vezes, precisamos sentir que outro ser humano, de carne e osso, compreende nossos sentimentos e está ali se importando com a gente. Aqueles ícones de carinhas amarelas, tristes ou sorridentes, ou a utilização de caracteres para expressar emoções, passam a kilometros de distância de um abraço forte e confortante de um amigo(a) de verdade.

Nada, nunca, vai substituir um amigo. Nossa alma precisa do toque humano, do calor, da compaixão.

Ter muitos amigos no FB quer dizer, apenas, saber se comunicar bem. Facebook não tem ombro, nem colo, nem o toque de um abraço amigo.

Ter amigos verdadeiros, na vida real, é uma das mais importantes conquistas que se pode alcançar na vida.

LEBLON - O ROUBO QUE NUNCA ACONTECEU - Edmir Saint-Clair

Tudo dentro do planejado. Com alguma folga. Dá tempo de tomar um coco apreciando esse maravilhoso pôr do sol . A meditação tem me feito bem, pensou Jair.
Ele avista seu alvo a uma distância ideal. Levanta-se e mistura-se entre os corredores que passam. Regula seus passos no ritmo dos mais lentos. Quando percebe a aproximação esperada, reduz  mais um pouco seu ritmo, de modo que durante a ultrapassagem do alvo possa haver alguma troca de expressões. Após a ultrapassagem, a distância aumenta apenas um pouco, o suficiente. E assim foram e voltaram até o arpoador. Na volta, a distância ficara  maior, poderia despertar suspeitas manter uma distância próxima. Ele sabe onde o alvo vai parar.
Nos últimos metros, acelera  a marcha e quando para no quiosque está ofegante, como deveria. Não foi difícil surgir assuntos entre os dois enquanto tomam água de coco. Quando o alvo se despede, já existe uma certa camaradagem carioca entre corredores de praia.
A partir daquele momento tudo tinha que ser preciso. Assim que o alvo atravessa as duas pistas da praia, na direção da Rua Cupertino Durão, ele apressa o passo e rapidamente alcança o outro lado da rua, onde o alvo tem de passar. Encosta-se numa das árvores, entre dois carros estacionados, e aguarda. Ninguém vindo de nenhum dos lados.
O alvo passa e é abordado.
 - Sérgio, isso aqui é uma arma. Fique quieto e preste atenção. Vamos até a sua casa, andando devagar e conversando como se fossemos amigos. Se você fizer qualquer coisa errada morre. Ouviu? Responde! Ouviu?
Sérgio estava paralisado. Apenas balbuciou um sim quase inaudível.
Jair continua.
- Quanto mais nervoso você ficar mais perigoso fica para nós dois. Então fique calmo e tudo vai dar certo. Prometo pra você.
Com a arma dentro do agasalho, mas já devidamente apresentada a Sérgio, os dois continuam a andar na direção do elegante prédio do jovem deputado.
Sobem direto sem parar na portaria. Morador não precisa se identificar. E a maioria, nesses prédios, não dá boa noite a porteiros.
Sérgio mora sozinho.

Na ampla sala, Sérgio não sabe o que estava realmente acontecendo. Um assalto comum não é.
Sérgio nunca fora dos mais corajosos, por isso estava acostumado a ser submisso sem questionar. Jair o manda sentar-se no sofá da sala.
À essa altura, por todo o contexto percebido, Sérgio tem quase certeza que sabe porque Jair está ali. Ainda bastante nervoso tenta amenizar o clima.
- Fique tranqüilo, pode levar tudo o que você quiser. Não vou causar nenhum problema. Só quero não quero violências,por favor.
Sérgio ainda tem a voz bastante trêmula.
- Sérgio, sei que você tem 1,5 milhão de dólares em cédulas  aqui no seu apartamento. Sei a que horas, onde e a mando de quem você pegou essa grana. Sei que ninguém pode saber que esse dinheiro existe e muito menos que está aqui na sua casa.
Sérgio ficou completamente branco. Pensou que seria roubado, mas aquilo era bem mais do que isso. Definitivamente, não era um simples assalto. Havia algo por trás.
- Você é policial federal? Perguntou Sérgio.
- Sorte sua que não!!  Respondeu Jair soltando um riso.
Ainda sem entender, Sérgio percebe que Jair não parece violento, mesmo assim não consegue parar de tremer. Sempre foi medroso. Já percebera que não estava lidando com um ladrãozinho pé de chinelo. Pelo linguajar e pela postura, Jair é profissional. Talvez, das forças públicas. Na verdade, não fazia idéia de quem se tratava e de onde surgira aquele homem.
Jair pega seu celular e começa a filmar Sérgio.
- Você vai gravar? O quê? Pergunta Sérgio.
- Se levanta e vai pegar a mala com o dinheiro. Diz Jair apontando o celular.
Sérgio hesita:
- Não está mais aqui... o secretário do senador já pegou...
A voz de Sérgio falha e irrita Jair, que rapidamente troca o celular pela pistola e engatilha e aponta para ele.
O corajoso deputado se tranfigura apavorado, e revela que a mala está dentro do armário no quarto.
Jair não segura o riso. Os dois se recompõe, Jair volta a falar manso e nota que o deputado havia molhado as calças.
Sérgio entra em seu quarto, abre o armário, pega a mala, coloca-a sobre sua cama e a abre. Jair grava tudo ininterruptamente com o celular. Enquandrando o quarto inteiro, alternando com closes da mala e dos retratos no quarto do deputado, para caracterizar, com detalhes, onde estão.
A seguir, voltam para a sala onde Jair continua gravando com a mala aberta sobre a mesa de jantar e a sala inteira ao fundo.
Pronto, aquele vídeo não deixa dúvidas de que aquele dinheiro esteve com o deputado dentro de sua casa.
Jair recolhe a mala cheia de dólares. Diante do atônito e corajoso deputado mijado, recoloca seu agasalho esportivo, guarda o celular e a pistola no bolso.
- Sérgio, agora vai ser o seguinte. Daqui a duas horas vou enviar para você, pelo seu whatsApp, o vídeo que fizemos agora. Ou seja, eu tenho a prova de que você estava com 1,5 milhão de dólares em dinheiro vivo e que não tem como explicar como vieram parar aqui sem comprometer muita gente graúda. Mostre esse vídeo para a sua “galera”, porque isso também garante que você não pode ser preso para não delatar. Ou seja, não aconteceu nada. Se eu souber que tem alguém atrás de mim, jogo esse vídeo na internet na hora.
Sérgio ouvira calado e calado permanecia. Não tinha nada a dizer. Não podia fazer nada. A não ser aguardar o vídeo para garantir que continuaria vivo e interessante para o poder que representava.

Jair saiu do prédio tranquilamente, não sem antes perguntar ao porteiro quanto estava o jogo no Maraca.

Este conto faz parte do Livro "A Casa Encantada - Contos do Leblon"
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MISTÉRIO NO LEBLON - Edmir Saint-Clair

Eu acabara de sair da academia Lucinha&Cláudio, atravessara a Rua Humberto de Campos, na direção da Rua José Linhares que fica a menos de 50 metros, e já estava  dobrando a esquina quando vi uma senhora idosa vindo na direção contrária a minha. 

Ela dá uma topada na calçada, se desequilibra e começa a acelerar descontroladamente o passo. Não há  como não cair.

Tento correr nem sua direção para tentar ampará-la, mas antes de fazê-lo surge do nada uma mulher esguia de cabelos pretos e a segura, colocando-a de pé e sumindo novamente. Tudo não durou mais que 2 segundos.

Fiquei petrificado com a cena. Me senti muito estranho, um desconforto cerebral desagradável. Como alguém aparece e desaparece do nada?

Sim. Ela não surgiu ou foi embora correndo e foi desaparecendo. Ela apareceu e depois desapareceu, como um flash fotográfico.

A Senhora estava tão petrificada quanto eu. Quando conseguimos trocar olhares, foram de pura estupefação. 

Aproximei-me um pouco maias, perguntei-lhe o que tinha acontecido. Ela me relatou exatamente a mesma coisa que vi. Utilizando, inclusive, as mesmas palavras “apareceu” do nada, e “Desapareceu” do nada. Ela relatou o que eu tinha presenciado com a mesma precisão de detalhes que vi. Ou seja, quase nenhum.

Com apenas uma e fundamental diferença. Ela não vira uma mulher, ela vira um homem fazer exatamente o que eu tinha visto a mulher fazer.

Ficamos em silêncio alguns minutos e depois a levei até a entrada do prédio para onde ela estava indo, na Rua José Linhares.

Despedimo-nos sem tocar mais no assunto, mas ainda visivelmente desconcertados, intrigados...

Nunca contei isso a ninguém. Nunca entendi o que havia acontecido.
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O MEDO DA MUDANÇA – Edmir Saint-Clair

O medo está nos rondando o tempo todo,
nos fazendo engolir sapos maiores que a boca.
Mas, por outro lado, foi o que nos manteve vivos até aqui...

Sem nos dar conta, lá está o medo tentando encaixar nossas atitudes em modelos que nem sabemos mais quais são. Tudo para termos a sensação de segurança.

Quanto mais previsível, quanto menos mudanças na rotina, mas seguro o ser humano se sente. É a chamada zona de conforto, que de conforto não tem nada. O nome certo seria zona de tédio.

Esse estado é uma consequência não desejada do medo que a simples ideia de mudança provoca. Mas as mudanças ocorrem o tempo todo, percebamos ou não. Não dependem da nossa vontade.

Esse é o cenário desse nosso conflitos interno, provocado pelo antagonismo entre o medo transcendental e a capacidade de raciocinar adquirida ao cabo de milhares de anos de evolução, que, por fim, nos permitiram controlar os perigos reais aos quais aquele medo servia como alerta fundamental para a sobrevivência.


Mesmo com todo essa evolução, o medo da mudança continua a ser uma força muito poderosa no ser humano, só que, atualmente,  é menos explícito e vive escondido nas pequenas coisas, sendo um dos responsáveis por diversos tipos de sofrimento em nossas vidas. 

Platão tratou brilhante e definitivamente disso no "Mito da Caverna". Há milhares de anos. Não é nenhuma novidade, mas permanecemos os mesmos. Disfarçados...para nós mesmos.

Ouvi de um amigo psicanalista algo que me ficou na cabeça e que os anos só reforçam a verdade que traduz:

- "O ser humano só se sente seguro vivendo uma rotina previsível, mesmo que isso signifique viver em péssimas condições, aparentemente insustentáveis se vistas de fora, mas que ele já conhece e está acostumado. É péssimo, mas é um péssimo que ele conhece. Essa força é tão poderosa que a simples idéia de romper com a situação e partir para algo novo causa pânico. Resumindo, a natureza do ser humano o impele a ficar no sofrimento conhecido, mas que ele sabe não o mata, a arriscar qualquer outra coisa que ele não conhece. A origem desse comportamento é aquele mesmo medo necessário e primitivo que o fez permanecer vivo para contar e fazer história há milhares de anos. O que diferencia cada indivíduo é o nível de coragem para enfrentar esse medo, que hoje já não é tão necessário quanto na época em que fugíamos de predadores nas florestas”.

Não raras vezes, nos deparamos com essa realidade em vários aspectos da vida. Nas relações familiares, profissionais, amorosas e fraternas.

Admiro muito as pessoas que conseguem se desvencilhar rápido de situações incomodas da vida.

É claro que tudo tem sua particularidade e nada pode ser posto numa mesma sacola. Mas, existe uma linha, que pode ser tênue, de onde, a partir dali qualquer um tem certeza do dano que aquela situação que está sendo vivida está trazendo a um ou a quantos mais estiverem envolvidos.

Seja em que âmbito for, chega um momento em que o desgaste da relação é tão forte e nítido que a mudança é absolutamente inevitável e urgente. E isso sempre gera insegurança, que é outro nome para o medo.

Nas relações entre casais isso é muito nítido. Do início da descida até se esborrachar no fim do relacionamento, a gente vem se ralando todo como numa ladeira abaixo. E, não raras vezes, essa ladeira dura anos. Imagine quanta ralação, quantos machucados daqueles bem ardidos poderiam ser evitados.

É bem doloroso. Quanto mais tempo dura a ladeira com mais machucados a gente chega no final. O que esquecemos é que podemos, a qualquer momento, interromper essa descida e evitar mais machucados.

Saber interromper antes que os machucados se aprofundem demais e deixem cicatrizes indeléveis é o que decide nossa possibilidade de ser feliz nos próximos. Ou seja, essa decisão é das mais sérias: a hora de pararA hora de dar um fim a uma situação infeliz e não olhar mais para trás. A hora de decidir, de se cuidar, de se proteger.

Saber a hora de parar de viver uma situação de sofrimento é fundamental para não perder a crença em si mesmo. 
É necessário acreditar que podemos cuidar de nós mesmos e que somos capazes produzir e lutar por nossa própria felicidade. É quando a autoestima racional deve atuar soberanamente. 

É importante ser sincero ao responder nossas próprias perguntas. Precisamos saber, pelo menos, o que pensamos de verdade sobre nossos próprios assuntos. Precisamos estipular nossos limites.

A Tolerância é necessária, sem ela não se vive, não se aprende e nem se evolui. Mas, a partir de um limite, passa a ser submissão, conformismo e covardia.

Mudar dá medo. Principalmente quando a decisão da mudança envolve coisas básicas como mudar de casa, ficar sozinho, trocar um emprego mais ou menos, mas que paga as contas, por um projeto que se der certo vai te dar a vida que você deseja (e isso não está ligado a dinheiro necessariamente!). Mas, que também pode dar errado.

E daí? Tudo pode dar errado, principalmente o que, aparentemente, está dando certo. Já que o que está dando errado, se mudar, só pode mudar para dar certo. E isso nunca incomoda ninguém!

Se der errado é porque não mudou. Então, vai ter que continuar mudando até dar certo.

Ou seja, veja-se por que ângulo for, é preciso mudar sempre.

Até para que o que já está dando certo continue dando. Certo?

*Essa crônica faz parte do livro A Casa Encanta - Contos do Leblon, Edmir Saint-Clair

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A Casa Encantada & À Frente, O Verso.

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