No dia em que saiu aqui o artigo "O clube dos gênios mortos", sobre Heleno de Freitas, Raul Seixas e Chico Anysio, juntou-se ao grupo Millôr Fernandes, tornando o céu mais divertido e inteligente, e a Terra mais burra e sem graça. Alguns falaram em mau humor de alguém lá de cima, mas eu prefiro falar em egoísmo divino, aliás, compreensível. Quem não gostaria de ter a seu lado esses e outros que partiram? O consolo, uma espécie de compensação, foi o jorro de esperança lançado pelo neurocientista Miguel Nicolelis na mesma semana, ao afirmar que o Brasil sempre foi o país de um futuro que jamais chegava. "Agora, a face é radiante." Ele recebeu o prêmio principal do Faz Diferença, que reúne a cada ano pessoas e iniciativas que mais se destacaram no país.
Eleito Personalidade do Ano de 2011 por suas pesquisas com o objetivo de levar pessoas com paralisia a andar pela força da mente, Nicolelis foi o último a discursar, baseando seu entusiasmo não no próprio trabalho, mas no que tinha visto e ouvido ali dos personagens que compuseram a mais comovente das edições do prêmio, com a plateia várias vezes aplaudindo de pé. E também a de maior diversidade social. Lá estavam o homem mais rico do país, Eike Batista, o presidente de uma poderosa montadora de caminhões e o milionário Neymar (na pessoa do pai), ao lado de jovens de origem pobre, como o quilombola Damião Santos, do sertão goiano, ou como Tião, o catador de lixo que virou celebridade. Ou então como Getulio Fidelis, coordenador do curso pré-vestibular Invest, relembrando a única vez que estivera naquele hotel há nove anos, como office-boy. O momento de redenção moral ocorreu com a premiação dos tenentes da PM Disraeli Gomes e Ronald Cadar, por terem recusado o suborno de R$ 1 milhão de um traficante.
Grande novidade foi a tríplice premiação da ciência. Além do principal homenageado, foram contemplados os cientistas Stevens Rehen e Denise Pires Carvalho. Ele e sua equipe pela produção de metade de toda a ciência de células-tronco embrionárias do país. Ela e sua equipe por terem feito avançar o tratamento para os que sofrem problemas graves de tireoide. A cultura contou com vários representantes. Julia Bacha, pelo seu cinema, que ajuda a promover a paz no Oriente Médio. Ítalo Moriconi pelo esforço de aproximar literatura e grande público. Cordel Encantado por levar para a TV a cultura nordestina. Antonio Bernardo pelos 30 anos como designer de joias. Carlos Saldanha não foi e a arara Blu aproveitou para reclamar o prêmio para ela. Criolo foi representado pelos pais. Como surpresa, um minishow de Tiago Abravanel. Ou de Tim Maia?
Foi esse desfile de realizações que empolgou Nicoleli. Quando ele afirma que "o Brasil deixou de ser tristes trópicos", não há como não concordar. Desde que não se olhe para Brasília.