"Tenho 48 anos, sou divorciada há 11, inteligente, bonita, insegura, não trabalho e vivo em função de duas adolescentes lindas e maduras, que não precisam mais de mim. Queria era um colo e mãe, que perdi cedo, e hoje tenho um pai doente. O ano está terminando e me pergunto por que não fiz nada para mim, enfrentando a vida como uma mulher adulta. Minhas filhas dizem: “Faça algo para você, não tem vontade de trabalhar? Procure suas amigas”. Respondo: “Acham que é fácil arrumar trabalho na minha idade depois de anos parada? O dinheiro não dá, queria que estivessem no meu lugar, é fácil falar!” Não posso mais só ser mãe, mas não consigo mudar. Já passei por dificuldades emocionais e, hoje, financeiras. Será que preciso passar por mais algum obstáculo para mudar?" Angela.
A Falta que nos move
Teve um a noite difícil, agitada, seu repouso foi interrompido por um sonho, ou melhor, um pesadelo que parecia real, Estava numa cama de hospital, imóvel, tentava falar, levantar, mas seu corpo não obedecia, esta paralisada, com os olhos abertos e perfeitamente lúcida. Nessa hora, acordou angustiada, e ao mesmo tempo aliviada, quando comprovou que era apenas um sonho ruim. Não conseguiu continuar dormindo, respirou fundo e sorriu na escuridão, entendendo que a imagem era um recado, uma representação de sua vida atual: é verdade que está lúcida e paralisada, de cama, ou em coma talvez, e angustiada com a situação.
Aproveitou o duro recado do seu inconsciente para justificar sua insônia. Reviu a cena várias vezes e, para ter mais certeza de que não era verdade, alongou seu corpo em extenso movimento, sentiu prazer mexendo braços e pernas. Num salto se colocou de pé e, da janela do seu quarto, viu o amanhecer sobre as copas das árvores, ao tranqüilizador som de uns poucos carros que circulavam pela rua. O sonho denunciava o que já sabia: o desejo de entrar em atividade, produzir, caminhar, correr, estar viva novamente. Os paralíticos, pensou, sonham com o movimento; os presos, com a liberdade; os surdos, com o som; os cegos, com a luz. Ela, na contramão por estar sadia e ser capaz de fazer movimentos, sonhava com a paralisia.
Que cordas imaginárias a amarravam? Demorou um pouco a responder, porém não teve dúvidas, tinha medo de errar, ser ridícula. Preferia a impotência subjetiva e clandestina vergonha pública de ser uma principiante. Ser mar de dois adolescentes a fez acreditar que seria adulta para sempre, e, agora, que os filhos ganhavam cada dia mais independência, ficava sem emprego, nem identidade. A maternidade é, sem dúvida, uma ocupação nobre, difícil e intensa, porém não uma profissão e, além disso, termina quando os filhos crescem.
Amanheceu. Começou outro dia, Ângela está em movimento, mesmo que nada tenha mudado ETA menos ansiosa. Procurou e encontrou a agenda que ganhou no começo do ano e decidiu preencher as folhas em branco, com tarefas. Uma hora diária de caminhada, filmes duas vezes por semana, curso de culinária e línguas pela internet, visita a exposições, pesquisa de cursos profissionalizantes e instituições que oferecem terapias ao seu alcance. Comprovou que programa é organizar o tempo, e o tempo é o único bem que se perde a cada minuto. Ângela está em mudança. Não será uma transformação de vida da noite para o dia. Talvez leve um mês, ou um ano. Precisa entender que, depois de duas décadas de trabalho, os filhos lhe deram aviso prévio, e agora, como os desempregados ou aposentados anda jovens, precisa ser ativa e criativa.
Sentir-se imóvel e paralisada é o melhor incentivo para começar a se mexer. Ângela já começou.
Sentir-se imóvel e paralisada é o melhor incentivo para começar a se mexer. Ângela já começou.