Estudo com 600 mil pessoas de 19 países
mostra que
limites recomendados
de consumo vão além do ‘saudável’
Cinco taças de vinho ou sete latas de cerveja tipo
pilsen tradicional por semana. Deveria ser essa a quantidade máxima de ingestão
de bebidas alcoólicas para evitar risco de doenças cardiovasculares, conclui um
estudo liderado por pesquisadores britânicos e publicado nesta quinta-feira na
revista científica “The Lancet”.
Ao analisar dados de quase 600 mil pessoas de 19
países, os autores observaram que aquelas que bebem mais do que 100g de álcool
semanalmente — o que equivale a essas sete latas de cerveja pilsen — têm uma
expectativa de vida significativamente mais baixa que as que bebem menos que
isso. Para quem bebe entre 100g e 200g, a expectativa é de morrer seis meses
antes do que se esperaria, e esse índice só se agrava à medida que o consumo de
álcool aumenta. Entre as pessoas que bebem mais de 350g por semana, há uma
redução de até cinco anos na expectativa de vida.
A partir desses dados, uma das principais
interpretações trazidas pelo estudo é que os limites de álcool recomendados
mundo afora deveriam ser reduzidos. As diretrizes em países como Itália, Portugal
e Espanha, por exemplo, são quase 50% mais altas do que os 100g usados como
referencial na pesquisa. Nos EUA, o limite recomendado para homens é quase o
dobro: 196g por semana, ou dez taças de vinho. Já para mulheres, devido a
diferenças metabólicas, a recomendação é de até 98g por semana.
No Brasil, não existe uma recomendação oficial do
quanto de álcool seria aceitável ingerir para não aumentar a possibilidade de
doenças. Especialista na área, a professora Zila Sanchez, do Departamento de
Mecina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) explica que
esse tipo de diretriz existe basicamente em países ricos. Ela ressalta que a
falta de uma definição sobre a quantidade de ingestão de álcool aceitável aqui
dificulta estudos acadêmicos sobre o assunto e prejudica as orientações dos
médicos no dia a dia do sistema de saúde.
— Do ponto de vista de ciência do álcool no Brasil, ter
uma diretriz oficial de quantos gramas representam uma dose e de quantos gramas
são recomendados semanalmente faria uma diferença brutal para as pesquisas,
porque padronizaria os estudos. Hoje, temos grande dificuldade de comparar
estudos feitos dentro do país, porque cada um se baseia em uma medida
internacional diferente. Do ponto de vista de saúde pública, ter uma diretriz
também faz todo o sentido, porque o médico pode conversar melhor com o paciente
sobre o assunto — afirma a pesquisadora.
Cientificamente, a quantidade de álcool é sempre medida
em gramas, e é possível ingerir uma quantidade grande de álcool em apenas
poucas doses de bebida, porque depende do teor alcoólico de cada uma. Por
exemplo, uma cerveja tem, em média, 5% de álcool; já o vinho, em torno de 13%;
e o whisky, por volta de 40%.
Também não se deve beber
tudo de uma vez
Embora o estudo traga como relativamente livre de risco
uma ingestão de sete latas de cerveja por semana, Zila alerta para a diferença
entre beber uma lata por dia e beber todas as sete de uma só vez.
Segundo ela,
ingerir essa quantidade de álcool em um intervalo de apenas duas horas em uma
festa, por exemplo, é “o pior padrão de consumo”. E esse padrão tem até nome:
binge drinking. O que o caracteriza é, no caso dos homens, a ingestão de cinco
ou mais latas de cerveja em um período de duas horas, e, no caso das mulheres,
quatro ou mais latas no mesmo período.
— O binge drinking, já muito estudado, é entendido como
o pior padrão de consumo de álcool, porque a pessoa que o pratica começa a se
envolver em atividades nas quais não se envolveria se não estivesse intoxicada,
como brigas com pessoas bem mais fortes ou relacionamento sexual inseguro.
Então, não se pode achar que é a mesma coisa beber uma latinha por dia e encher
a cara no final de semana. Esse é um comportamento de risco — diz Zila.
O estudo na “The Lancet” mostra que o álcool aumenta o
risco de qualquer tipo de doença cardiovascular: acidente vascular cerebral
(AVC), insuficiência cardíaca, doença hipertensiva fatal e aneurisma aórtico
fatal. O risco só declina em relação a infarto do miocárdio. Para David
Sullivan, da Escola Médica da Universidade de Sydney, que não participou do
estudo, a resposta sobre como as pessoas devem agir fica clara ao se colocarem
essas informações na balança.
— Não adianta proteger contra infarto e gerar todas as
outras doenças cardiovasculares possíveis — pontua. — Quando as duas tendências
são consideradas juntas (taxa de consumo de álcool e taxa de doenças
cardiovasculares), qualquer benefício do álcool é eliminado para ingestões de
mais de 100 gramas por semana.
Para mulheres, o consumo de álcool é ainda mais
perigoso — justamente por isso os países que têm diretrizes costumam
diferenciar as recomendações de acordo com o gênero. Isso se explica porque,
entre outros aspectos, as mulheres produzem uma quantidade menor da enzima
responsável por degradar o álcool. Em decorrência disso, uma mesma dose de
bebida ingerida por uma mulher faz com que ela fique, em média, com 30% a mais
de concentração alcoólica no sangue do que um homem ficaria.
De acordo com Jason Connor, do Centro de Pesquisas para
Abuso de Substâncias na Juventude da Universidade de Queensland, na Austrália,
o estudo traz informações robustas que são capazes de influenciar o modo como
países lidam com o tema.
— Os níveis de consumo recomendados nesse estudo serão,
sem dúvida, descritos como implausíveis e impraticáveis pela indústria do
álcool e outros opositores das advertências de saúde pública sobre o álcool. No
entanto, os resultados devem ser amplamente divulgados e precisam provocar um
debate público e profissional informado — comenta o especialista.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS),
são registradas anualmente 3,3 milhões de mortes resultantes do consumo
excessivo do álcool. Isso representa seis mortes a cada minuto. A faixa etária
mais preocupante é a dos 20 aos 39 anos, dentro da qual aproximadamente 25% do
total de mortes são atribuídos ao álcool. A meta da OMS é que os países reduzam
em 10% o consumo abusivo de álcool até 2020.
Uma crítica feita por vários pesquisadores à abordagem
do estudo é a falta de dados relacionados à incidência de câncer por causa do
álcool. Ainda segundo a OMS, hoje já se sabe que as bebidas alcoólicas estão
relacionadas a 10% dos cânceres de intestino grosso e 8% dos cânceres de mama,
por exemplo.
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