Pesquisa identifica o sistema que limpa as toxinas circulantes na cabeça. Descoberta pode ser importante na identificação de tratamento para pacientes com Alzheimer.
Ainda sem cura nem tratamento específico, o mal de Alzheimer começa a ser desvendado pela medicina. Nos últimos anos, pesquisas indicaram que a doença neurodegenerativa está associada ao acúmulo da proteína beta-amiloide no cérebro, mas ainda não se encontrou uma forma de varrê-la do órgão. Um estudo publicado na edição de ontem da revista Science Translational Medicine poderá ajudar a fazer essa faxina. Cientistas da Universidade de Rochester, nos Estados Unidos, desvendaram o mecanismo de limpeza do cérebro, até agora pouco conhecido. Eles descobriram também que uma falha no sistema aumenta o risco de acúmulo dos peptídeos que, no Alzheimer, entoxicam e matam os neurônios.
O organismo está em trabalho constante, com moléculas sendo sintetizadas, células nascendo e morrendo, linfócitos combatendo vírus e bactérias, e hemácias realizando trocas gasosas. Tudo isso deixa resíduos, que precisam ser destruídos para o bom funcionamento do corpo. Quem faz esse papel é o sistema linfático, uma complexa rede de estruturas que circulam pelos órgãos, levando nutrientes e, de volta, filtrando substâncias nocivas para que não entrem na corrente sanguínea.
O sistema linfático, porém, não chega até o cérebro. Lá, quem faz a faxina é o líquido celaforraquidiano (LCR), um fluido que protege o órgão contra infecções e traumas físicos, como uma forte pancada na cabeça. Já se sabe que o LCR também faz a limpeza de toxinas e metabólitos que circulam entre as paredes cerebrais, mas os padrões de funcionamento do sistema ainda não tinham sido verificados em detalhe. “Para isso, precisamos observar o cérebro de um organismo vivo em atividade. Não é possível estudar esse padrão em tecidos post mortem”, explica a neurocientista Maiken Nedergaard, coautora do estudo.
Como a estrutura cerebral dos ratos é muito parecida à dos humanos, esse foi o modelo escolhido pelos pesquisadores, que injetaram substâncias fluorescentes nos animais para conseguir visualizar o caminho percorrido pelo LCR, um líquido incolor, semelhante à água. Uma tecnologia avançada de imagem foi empregada para escanear o que acontecia dentro do cérebro dos ratos. Ampliadas no microscópio, as fotos mostraram, em detalhe, o fluxo de um sistema que os cientistas batizaram de glinfático, porque se assemelha ao padrão do sistema linfático, mas depende fundamentalmente de células cerebrais chamadas gliais.
Essas estruturas não costumam chamar muita atenção dos cientistas, diz David J. Begley, pesquisador do Instituto de Ciências Farmacêuticas do King’s College de Londres. “Por muitos anos, os neurocientistas naturalmente se focaram nas estruturas e nas funções dos neurônios porque essas células são responsáveis pela atividade elétrica e integrativa do cérebro”, diz o especialista, que não participou do estudo, mas conhece a pesquisa da Universidade de Rochester. “O sistema nervoso, porém, é composto por outros tipos de células, como as gliais. No trabalho de Nedergaard, é descrito um padrão glialvascular que limpa substâncias que circulam no espaço extracelular do cérebro, incluindo a proteína beta-amiloide”, esclarece.
Células organizadas Os pesquisadores observaram que, ao percorrer a rede vascular que irriga o cérebro, o líquido celaforraquidiano faz a limpeza dos tecidos com a ajuda de aquaporinas, poros existentes na membrana das células gliais. Muito bem organizadas, essas células formam um verdadeiro sistema de tubulação, se prolongando por todas as artérias e capilares existentes dentro do órgão. Elas atuam “empurrando” o LCR pelos canais cerebrais e, enquanto circula, o líquido recolhe e drena a sujeira produzida dentro do cérebro.
“As proteínas beta-amiloides acumulam-se nos espaços vazios que se formam entre os vasos sanguíneos. Esse caminho é percorrido normalmente pelo LCR, evitando que elas se acumulem”, diz o neurocirurgião Jeffrey J. Iliff, coautor do estudo. “Por motivos ainda não completamente esclarecidos, o fluxo do LCR pode ser interrompido. Se não conseguir passar pelo espaço onde ficam as proteínas, o líquido não consegue fazer a limpeza, e o resultado é o acúmulo das placas beta-amiloides, algo observado no tecido cerebral de pacientes com Alzheimer”, conta. “Caso seja possível consertar esse erro, teremos uma terapia em potencial para exterminar esses peptídeos.”
Segundo Maiken Nedergaard, além do Alzheimer, a descoberta do padrão de limpeza de resíduos no cérebro pode ser importante na identificação de tratamentos para outras doenças neurodegenerativas, como Parkinson, e de males causados por traumatismos. “Agora, temos uma visão muito mais ampla de um sistema que conhecíamos muito pouco. Vamos avançar nas pesquisas, com o aperfeiçoamento da metodologia e o desenvolvimento de técnicas menos invasivas. Assim, será possível testar se o padrão do sistema glinfático em humanos corresponde ao que encontramos no modelo animal”, diz.
Emaranhados
Além da presença de placas beta-amiloides no cérebro, o Alzheimer é caracterizado por emaranhados neurofibrilares, formados por uma proteína chamada tau. Em pessoas saudáveis, ela ajuda a estabilizar estruturas cilíndricas que transportam nutrientes e outras substâncias de uma célula para a outra. Mas um distúrbio faz com que os cilindros se quebrem, resultando em danos nos neurônios.
Paloma Oliveto
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