Se eu vos disser: «tudo abandonei» 
É porque ela não é a do meu corpo, 
Eu nunca me gabei, 
Não é verdade 
E a bruma de fundo em que me movo 
Não sabe nunca se eu passei. 
O leque da sua boca, o reflexo dos seus olhos 
Sou eu o único a falar deles, 
O único a ser cingido 
Por esse espelho tão nulo em que o ar circula 
                                                       [através de mim 
E o ar tem um rosto, um rosto amado, 
Um rosto amante, o teu rosto, 
A ti que não tens nome e que os outros ignoram, 
O mar diz-te: sobre mim, o céu diz-te: sobre mim, 
Os astros adivinham-te, as nuvens imaginam-te 
E o sangue espalhado nos melhores momentos, 
O sangue da generosidade 
Transporta-te com delícias. 
Canto a grande alegria de te cantar, 
A grande alegria de te ter ou te não ter, 
A candura de te esperar, a inocência de te 
                                                   [conhecer, 
Ó tu que suprimes o esquecimento, a esperança e 
                                                   [a ignorância, 
Que suprimes a ausência e que me pões no mundo, 
Eu canto por cantar, amo-te para cantar 
O mistério em que o amor me cria e se liberta. 
Tu és pura, tu és ainda mais pura do que eu 
                                                   [próprio. 
Tradução de António Ramos Rosa
