Poeta tetraplégico constrói relação de
desejo e afeto com sua terapeuta sexual
Paralisado desde os 6 anos pela poliomielite, o escritor, poeta e jornalista Mark O´Brien só podia mexer a cabeça e passava a maior parte do dia dentro de um tubo de ferro para estimular seus pulmões. Com esses dados, parece fácil deduzir que o filme As sessões, inspirado em uma história real, apresente toques de melodrama. Mas é justamente ao afastar-se desse caminho óbvio que o diretor australiano Ben Lewin – que, aliás, assim como o personagem principal, é também um sobrevivente da pólio – promove a discussão sobre as infinitas possibilidades humanas e lembra que a sexualidade ultrapassa os limites do corpo.
A despeito das dificuldades que enfrenta, aos 38 anos O´Brien é um homem bem-humorado e criativo, embora perseguido pela curiosidade na experiência sexual. Sua formação católica – diz ser religioso “por achar intolerável não acusar alguém por tudo isso” – o leva a longas conversas com o padre da paróquia, na busca de uma autorização espiritual que o livre da culpa pelo desejo. Numa relação afetuosa e despojada, o sacerdote o apoia na árdua tarefa de perder a virgindade.
Estamos, então, no início da década de 80, uma época em que terapêuticas sexuais corporais ganham espaço. É importante lembrar que os anos 60 e 70, marcados pelo pós-guerra e pelas revoluções culturais, foram cenários de verdadeiras explosões sociais, ideológicas e artísticas. Proliferavam estudos voltados ao prazer e à liberação sexual. Autores como Masters e Johnson contribuíram significativamente para aliviar a repressão de alguns tabus arraigados e trouxeram melhora na qualidade de vida das pessoas. Na Califórnia não faltavam cursos e dinâmicas de grupo voltados à autoliberação. Nesse contexto, o atendimento com a terapeuta sexual Cheryl Cohen Greene, especializada em pessoas com sérias deficiências físicas, interpretada no filme por Helen Hunt, é indicado a O´Brien por uma professora universitária que estuda o tema.
Na vida real, Cheryl de fato fazia esse tipo de trabalho. Didaticamente, a personagem do filme esclarece não se tratar de prostituição, mas de processo terapêutico com objetivos específicos, argumentando, por exemplo, que “a prostituta busca manter um vínculo de dependência e nossos encontros têm número de sessões previamente estabelecido”. Mais que essa diferenciação, bastante questionável, chamam a atenção a atitude profissional, a busca da objetividade, o estabelecimento do contrato e os registros feitos após cada sessão. Surpreende o encontro singular e generoso entre o paciente e a terapeuta, sem espaço para a vitimização. Um laço emocional necessário se faz presente durante as sessões de sexo. À medida que olhares e toques se estendem além da fisiologia e dos fluidos do corpo, a ansiedade e a insegurança do iniciante são, aos poucos, aliviadas pela experiência. E a despeito de limitações tão explícitas, os dois constroem uma relação peculiar. “Tudo é ao mesmo tempo inesperado e natural”, descreve O’Brien.
Há mais de um século Freud preocupava-se em descrever as pulsões como forças ligadas às relações de objeto, o que faz inevitavelmente do homem um ser em relação. O que nos torna sujeitos depende da qualidade e da dinâmica dos vínculos estabelecidos desde os primeiros momentos de vida. A ideia do outro está presente mesmo na fantasia. Onde há relação, está inevitavelmente presente algum tipo de afeto. Podemos deduzir, então, que O’Brien soube encontrar em Cheryl aspectos sutis que favoreceram a vivência de empatia e intimidade.
O mundo contemporâneo tem valorizado as imagens num processo que o escritor francês Guy Debord (1931-1994) chamou de “sociedade do espetáculo”. Corpos expostos e apelos sexuais parecem banalizar o contato com o outro, num incentivo ao hedonismo vaidoso. Apesar do acesso à informação e dos apelos do sexo, as questões relativas à sexualidade e subjetividades são menos lembradas. Não é à toa que tantos autores reconhecem e destacam os contornos narcisistas e depressivos da contemporaneidade.
Em As sessões os objetivos tecnicamente previsíveis não mascaram inevitáveis ansiedades e expectativas que acompanham desejos intensos. Apesar do corpo paralisado, a vontade de experimentar permanece viva. O artigo “Encontros com uma substituta sexual”, que inspirou o filme, e as histórias de amor vividas – ou fantasiadas – por O’Brien brotam na sensibilidade de sua poesia: “Deixa-me tocar-te com minhas palavras, pois minhas mãos jazem caídas como luvas vazias, deixa minhas palavras acariciarem teus cabelos, pois minhas mãos leves, mas inertes como tijolos, ignoram minhas vontades e se recusam a realizar meus desejos mais silenciosos”.