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A TEIMOSIA DO CÉREBRO - Gláucia Leal


A maioria das pessoas não percebe é que um aspecto que nos faz nos apegarmos a certos pontos de vista (em detrimento de outros, mais eficientes) está diretamente relacionado com nosso próprio funcionamento cerebral.

Todo mundo quer acertar. Não importa a área da vida – ansiamos por ter ideias inteligentes, fazer a melhor escolha, tomar a decisão mais acertada.  

Não é difícil perceber que vários fatores podem nos atrapalhar no momento de privilegiar determinada linha de pensamento e seguir esse caminho. 

O que a maioria das pessoas não percebe é que um aspecto que nos faz nos apegarmos a certos pontos de vista (em detrimento de outros, mais eficientes) está diretamente relacionado com nosso próprio funcionamento cerebral.

Essa espécie de “teimosia” é resultado do que os neurocientistas denominaram efeito Einstellung (fixação funcional). 

Trata-se da “persistente tendência do cérebro de se ater a uma solução familiar para resolver um problema – aquela que primeiro vem à mente – e ignorar outras possibilidades”, explicam os cientistas Merim Bilalić e Peter McLeod, ambos doutores em psicologia.

Eles sabem do que falam: a pesquisa de Bilalić sobre esse fenômeno ganhou o Prêmio da Sociedade Psicológica Britânica para Contribuições Excepcionais de Pesquisa Médica para a Psicologia e McLeod,presidente da Fundação Oxford para Neurociência Teórica e Inteligência Artificial, tem feito importantes incursões nesse assunto. 

Os dois reconhecem que, na maioria das vezes, tipo de raciocínio é um processo cognitivo útil, já que por meio dele desenvolvemos métodos bem-sucedidos para resolver os mais variados problemas do cotidiano, desde descascar uma fruta até resolver uma equação matemática. 

E, se funciona, não há motivo para tentar várias técnicas diferentes toda vez que precisamos novamente desempenhar aquela atividade. 

O problema com esse atalho cognitivo é que ele pode inibir a busca de soluções mais eficientes ou apropriadas.

Diante disso, podemos pensar: se nosso cérebro nos faz acreditar em certas abordagens, a ponto de ignorar outras mais adequadas, ou mesmo desconsiderar que elas existam, o que podemos fazer? 

Ficamos reféns desse órgão tão sofisticado, com o qual nos confundimos? 

Simples: desconfie de suas certezas e não se contente logo de cara com as boas soluções. É claro que, ao compreender como esse curioso processo ocorre em sua cabeça, fica muito mais fácil acreditar – e apostar – que, não raro, seu cérebro poderá encontrar outras saídas ainda melhores que a primeira.
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O FASCÍNIO DO MOVIMENTO - Gláucia Leal

Nossa história é marcada pela ação antes mesmo da concepção, quando os espermatozoides empreendem uma corrida desesperada em direção ao óvulo com o objetivo de fecundá-lo. Ou seja, todos nós somos resultado desse primeiro movimento

Nossa história é marcada pela ação antes mesmo da concepção, quando os espermatozoides empreendem uma corrida desesperada em direção ao óvulo com o objetivo de fecundá-lo. Ou seja, todos nós somos resultado desse primeiro movimento – e ao longo da vida outros tantos pautam cada etapa do desenvolvimento. 

Abrimos e fechamos as pálpebras, movemos a língua para pronunciar sons e nos fazermos entender, sorrimos, exibimos no rosto o que sentimos, agitamos os braços, engatinhamos, andamos, pulamos, dançamos, chutamos, digitamos, atiramos objetos para longe e os trazemos para perto. 

Dentro do corpo o sangue corre, o ar entra e sai dos pulmões e os sinais eletroquímicos transmitidos pelos neurônios estão em constante atividade, acionando redes sinápticas e promovendo associações.

Também fora de nós nada parece estar parado. O ir e vir ao nosso redor – e a necessidade constante de nos deslocarmos – associa-se à energia vital, à busca da agregação. A tendência a simplesmente deixar-se ficar, sem ligar-se a nada (sem mover-se em direção a nada), aproxima-se da ideia de pulsão de morte, proposta por Freud.

Num outro plano, os movimentos (não por acaso chamados assim) sociais, culturais e econômicos são transformadores e afetam a maneira como as pessoas sentem, pensam e desejam. 

Nessa íntima comunicação entre o dentro e o fora, exemplos concretos ancoram ideias abstratas; sensações e ações que parecem triviais como franzir a testa, segurar objetos macios ou ásperos ou fazer sinal de positivo influenciam operações cognitivas complexas, julgamento social, linguagem, percepção e raciocínio.

Quando observamos gestos, certas regiões cerebrais impedem a transmissão de sinais do córtex pré-motor para os neurônios motores executores, um mecanismo parcialmente inexistente em pessoas com ecopraxia (imitação repetitiva de movimentos). 

Quando nos curvamos diante de um paciente com essa síndrome neurológica, ele também se curva – simplesmente imita o gesto, sem saber por que o fez. O limiar entre a simulação interna e a atividade motora concreta, porém, muitas vezes é reduzido também em pessoas saudáveis – como no caso do bocejo, altamente contagiante. E sim, há movimento no bocejo, assim como nas expressões faciais, no sorriso, no pensamento. 

É dessa gama de movimentos, mais ou menos sutis, intimamente conectados ao cérebro e à mente que trata esta edição especial Corpo e cérebro em movimento. 

Por mais quietos que estejamos – como neste momento, lendo este texto – universos físicos e mentais se movem em nós. Para dar continuidade a esse processo fascinante, basta continuar deslizando os olhos linha após linha pela edição.

A TEIMOSIA DO CÉREBRO - Gláucia Leal

A maioria das pessoas não percebe é que um aspecto que nos faz nos apegarmos a certos pontos de vista (em detrimento de outros, mais eficientes) está diretamente relacionado com nosso próprio funcionamento cerebral

Todo mundo quer acertar. Não importa a área da vida – ansiamos por ter ideias inteligentes, fazer a melhor escolha, tomar a decisão mais acertada.  Não é difícil perceber que vários fatores podem nos atrapalhar no momento de privilegiar determinada linha de pensamento e seguir esse caminho. 

O que a maioria das pessoas não percebe é que um aspecto que nos faz nos apegarmos a certos pontos de vista (em detrimento de outros, mais eficientes) está diretamente relacionado com nosso próprio funcionamento cerebral.

Essa espécie de “teimosia” é resultado do que os neurocientistas denominaram efeito Einstellung (fixação funcional). Trata-se da “persistente tendência do cérebro de se ater a uma solução familiar para resolver um problema – aquela que primeiro vem à mente – e ignorar outras possibilidades”, explicam os cientistas Merim BilalićePeter McLeod, ambos doutores em psicologia. 

Eles sabem do que falam: a pesquisa de Bilalić sobre esse fenômeno ganhou o Prêmio da Sociedade Psicológica Britânica para Contribuições Excepcionais de Pesquisa Médica para a Psicologia e McLeod,presidente da Fundação Oxford para Neurociência Teórica e Inteligência Artificial, tem feito importantes incursões nesse assunto. 

Os dois reconhecem que, na maioria das vezes, tipo de raciocínio é um processo cognitivo útil, já que por meio dele desenvolvemos métodos bem-sucedidos para resolver os mais variados problemas do cotidiano, desde descascar uma fruta até resolver uma equação matemática. 

E, se funciona, não há motivo para tentar várias técnicas diferentes toda vez que precisamos novamente desempenhar aquela atividade. O problema com esse atalho cognitivo é que ele pode inibir a busca de soluções mais eficientes ou apropriadas.

Diante disso, podemos pensar: se nosso cérebro nos faz acreditar em certas abordagens, a ponto de ignorar outras mais adequadas, ou mesmo desconsiderar que elas existam, o que podemos fazer? Ficamos reféns desse órgão tão sofisticado, com o qual nos confundimos? Simples: desconfie de suas certezas e não se contente logo de cara com as boas soluções. 

É claro que, ao compreender como esse curioso processo ocorre em sua cabeça, fica muito mais fácil acreditar – e apostar – que, não raro, seu cérebro poderá encontrar outras saídas ainda melhores que a primeira. Boa leitura, boas escolhas!

NEUROCIÊNCIAS: CÉREBROS EMPENHADOS EM DESVENDAR O CÉREBRO - Gláucia Leal

 Nas últimas três décadas a neurociência vem colocando em xeque muito do que sabíamos, ou pensávamos saber, sobre o funcionamento do cérebro.

Nas últimas três décadas a neurociência vem colocando em xeque muito do que sabíamos, ou pensávamos saber, sobre o funcionamento do cérebro. Talvez uma das mais importantes constatações – base para uma série de outras, aliás – seja a de que o complexo emaranhado de circuitos cerebrais está em constante transformação.

Com o desenvolvimento tecnológico, as barreiras da biologia e da medicina foram rompidas e os pesquisadores se valem de conhecimentos da física, da informática, da matemática, da engenharia computacional para ampliar conhecimentos. Até porque, quanto mais estudos são feitos, mais fica claro que ainda sabemos pouco – até mesmo sobre funções de áreas cerebrais. 

Uma frente importante, que deve marcar grande avanço na área neurocientífica, é o projeto Brain Research through Advancing Innovative Neurotechnologies (BRAIN), lançado em abril de 2013, nos Estados Unidos, com o objetivo ambicioso de ampliar significativamente a compreensão do funcionamento da mente humana – e, em última instância, encontrar formas mais eficientes de tratar, prevenir e curar quadros graves como Alzheimer, esquizofrenia, autismo, epilepsia e traumatismos no cérebro, que afetam milhões de pessoas em todo o planeta.

Hoje, passados quatro anos e investidos mais de US$ 1,5 bilhão no programa, um dos grandes desafios a serem vencidos ainda está relacionado ao aprimoramento de métodos e tecnologias capazes de medir e acompanhar a atividade cerebral com precisão.

Por isso, a primeira fase da iniciativa, ainda em andamento, tem como foco o desenvolvimento de novos métodos e equipamentos para o monitoramento da atividade cerebral.


O curioso é que essa pequena maravilha que cada um de nós carrega dentro da cabeça seja ainda tão misteriosa e exija tanta tecnologia e tanto trabalho (cerebral) para que possamos entender suas dinâmicas.
  

Em tempos de tanta incerteza política, econômica e social parece difícil fazer prognósticos, mas é reconfortante saber que iniciativas como a BRAIN continuam em curso – e podem trazer incontáveis possibilidades de diminuir o sofrimento humano. 

O caminho é longo, mas é reconfortante saber que, de uma forma ou outra, estamos no caminho.

FREUD E AS ESTRADAS PARA O CÉREBRO - Gláucia Leal

A aproximação entre neurociência e psicanálise 
ainda enfrenta resistência. 
É a um dos textos menos lidos de Freud que Benilton Bezerra Jr. 
recorre para tratar do laço entre esses campos de conhecimento


Quando se fala de Sigmund Freud e a obra revolucionária que produziu, é comum que muitas vezes se deixe de lado um fato importante: sua formação como neurologista e as influências inevitáveis disso. Na primeira metade do século 20, as ideias de Freud dominaram as explicações sobre o funcionamento da mente. Seu texto Projeto para uma psicologia científica, concebido entre abril de outubro de 1895, é uma prova disso. 

O trabalho remete o leitor às raízes neurocientíficas da psicanálise. Embora ainda hoje ascendência, reconhecidamente, cause algum desconforto aos mais ortodoxos adeptos da terapia da palavra, cabe lembrar que Freud com alguma frequência aludia ao fato de que “deficiências de nossa descrição provavelmente desapareceriam se já pudéssemos substituir os termos psicológicos por termos fisiológicos e químicos”.

No recém-lançado Projeto para uma psicologia científica: Freud e as neurociências, o psiquiatra e psicanalista Benilton Bezerra Jr. aponta de forma didática duas questões importantes sobre o texto. A primeira está centrada na proposta de estabelecer uma teoria do funcionamento psíquico, com base em um ponto de vista quantitativo, que oferece uma espécie de economia mental. 

A segunda se refere à busca de encontrar, a partir da psicopatologia, a compreensão da vida psicológica saudável ou “normal”. Em seu trabalho, Benilton apresenta questões da ciência que intrigavam Freud e o motivavam a refletir e a procurar respostas. Passado mais de um século, esses impasses relativos aos engendramentos da mente e do corpo continuam presentes e vivos.

Este texto é certamente um dos menos lidos da obra de Freud, embora seja muito citado, mas hoje é a porta de entrada para a discussão acerca das relações entre psicanálise e neurociências”, observa o autor, professor do Instituto de Medicina Social e pesquisador do Programa de Estudos e Pesquisas da Ação e do Sujeito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). 

Justamente por isso Benilton escolheu acrescentar ao título da obra original “Freud e as neurociências” – e dedicou boa parte de seu livro ao debate – tão atual – entre adeptos e críticos dessa aproximação. “Procurei situar o Projeto em seu contexto de nascimento, tanto no horizonte epistemológico da época, quanto na trajetória pessoal de Freud, para depois apresentar, do modo mais palatável para o público amplo, as principais teses da obra”, conta.

Seguindo essa linha, ele aborda, por exemplo, o impacto das ciências biológicas na reordenação radical do tradicional antagonismo entre naturalismo e antinaturalismo, o que o leva a argumentar em prol da “desmontagem da oposição pura e simples” entre aspectos biológicos e existenciais, psíquicos e neurais, naturais e culturais, em favor de interlocuções entre psicanálise e neurociência.

Obviamente, nem todos concordam com a abertura desse canal de diálogo. Muitos neurocientistas resistem à aproximação de ideias psicanalíticas. Nas palavras do psiquiatra J. Allan Hobson, professor da Faculdade de Medicina de Harvard, por exemplo, o recente interesse por Freud no meio científico pode ser traduzido como uma “inútil readaptação de dados modernos a parâmetros teóricos antiquados”. 

No entanto, para os neurocientistas que se arriscam neste caminho instigante, entusiasmados com a possibilidade de “reconciliação” entre neurologia e psicanálise, já não se trata de provar se Freud estava certo ou errado, mas sim de reconhecer que cada vez mais campos de conhecimento, em constante transformação, se entrelaçam e assim – mais permeáveis e flexíveis – se fortalecem.
Revista Mente e Cérebro

FELIZES DESCOBERTAS - Gláucia Leal

Para a psicologia, a sorte está mais associada à maneira como 
vivemos as experiências do que aos fenômenos em si.

O que você pensa quando diz ou ouve votos de boa sorte? Que as forças do acaso se alinhem para satisfazer seus desejos? Esse anseio pode até ser atraente, mas para a psicologia a sorte está mais associada à maneira como vivemos as experiências do que aos fenômenos em si. Se por um lado essa visão convida ao abandono de expectativas sedutoramente mágicas, por outro nos confere maior autonomia.

Obviamente existem percalços, frustrações e dor no caminho de qualquer um, mas a quantidade de apego que creditamos ao sofrimento pode mudar nossa história – para o bem ou para o mal.

Segundo pesquisadores que abordam o tema nesta edição, não se apegar ao azar parece ser um dos mais eficazes segredos dos sortudos. “Sorte é acreditar que somos sortudos”, afirmou o dramaturgo Tennessee Williams. 

O psicólogo inglês Richard Wiseman garante que suas palavras são sábias. E fala com propriedade, já que há anos estuda o funcionamento mental tanto de pessoas que acreditam ter uma “boa estrela” quanto daqueles que têm convicção de serem acompanhados pela vida afora por uma nuvem cinzenta.

Outra frase interessante sobre o assunto é atribuída a Louis Pasteur, o inventor da pasteurização e da vacina antirrábica: “O acaso só favorece a mente preparada”. Tudo a ver com serendipidade. A palavra árabe vem do vocábulo Sarandib, antigo nome da Ilha do Ceilão, atual Sri Lanka. 

O termo foi empregado pela primeira vez pelo escritor inglês Horace Walpole para falar da possibilidade de encontrar coisas boas, mesmo que não estejamos procurando exatamente por elas. 

Ele cita uma história persa, Os três príncipes de Serendip, na qual os personagens são agraciados com o que chama de descobertas felizes, por acidente ou pela própria esperteza.

Mas isso só acontece quando se permitem desfrutar da oportunidade de receber esses “presentes” – que ganham valor quando são reconhecidos como tais e os protagonistas se apropriam psiquicamente deles.

A propósito, é justamente isso que esperamos que você encontre nesta edição de aniversário – descobertas felizes.

OUTRAS VIDAS, OUTROS EUS - Gláucia Leal

Ao desejarmos realidades diferentes, questionamos 
- até sem perceber - 
o que nos que faz ansiar por um mundo idealizado

Pense um instante. E se você não tivesse feito as opções que fez até hoje e, em consequência, vivido experiências diferentes? Ainda assim você seria como é, pensaria da mesma maneira, terias as mesmas faltas e nutriria os mesmo desejos que cultiva? Enfim: seria a mesma pessoa que neste instante está lendo este texto? Difícil dizer. Ainda assim, parece inevitável vez ou outra pensarmos o que teria sido de nós se tivéssemos aceito aquela proposta há alguns anos, dito “não” em vez de sim (ou vice-versa), marcado o “x” em outa coluna, escolhido outra companhia, outras palavras, outros caminhos. Citando apropriadamente o escritor Redwald Hugh Trevor-Roper (1914-2003), em History and imagination, o psicanalista britânico Adam Phillips escreve: “A história não é meramente o que aconteceu; é o que aconteceu no contexto daquilo que poderia ter acontecido”. Em seu livro mais recente, O que você é e o que você quer ser, o autor trata dessas “possíveis outras vidas” que nos acompanham, às vezes mais de perto, às vezes menos, evocando os riscos que não corremos e as oportunidades que não nos foram oferecidas (ou que simplesmente evitamos).

Para o ensaísta, ex-diretor do serviço de psicoterapia do Hospital Charing Cross, em Londres, a vida mental “revela vidas que não estamos vivendo, que deixamos passar em branco, que poderíamos ter, mas que, por alguma razão, não temos”. E, a partir disso, fato é que sempre fantasiamos vivências, coisas e pessoas ausentes em nossas vidas – ainda que nem sempre saibamos exatamente quais sejam elas e muito de nossas projeções contornadas pela imaginação confiram coloridos diversos da realidade às situações. A todo o momento, o cinema e a literatura falam desse imaginário que ronda o ser humano. A ausência daquilo que precisamos (ou pensamos que precisamos) nos angustia.

Não raro, nos consultórios de psicólogos e psicanalistas aparece a inquietude traduzida em queixas de tristeza e irritação. Cabe ao par analítico desvendar pistas para compreender o que sustenta os sintomas e, assim, estabelecer conexões que façam surgir sentidos. Em seu livro, o autor fala do limite que se impõe nessa luta diária travada – com o outro e com o mundo – na tentativa de fazer com que desejos sobrevivam. Nessa faina constante, muitos se apegam ao “mito do potencial”, capaz de transformar a existência de uma pessoa num perpétuo “vir a ser” que não desabrocha e reproduz a sensação de incompletude. Não parece difícil identificar na maioria dos círculos sociais pessoas que aparentemente sabem ter (e talvez tenham) condições de realizar algo, mas se perdem em labirintos de promissoras promessas. Na prática, mantém a ilusão de que é possível resguardar-se de frustações imposta pela realidade nem sempre confortável, mas com papel tão fundamental no processo de amadurecimento psíquico.

Para tecer essas reflexões e falar da inexorável lacuna existente entre aquilo que queremos e o que de fato podemos ter, Adam Phillips recorre às ideias de princípio do prazer e princípio da realidade, apresentadas por Freud em 1911, no artigo “Formulações sobre os dois princípios de funcionamento mental”. “Esse suposto desajuste é a origem da nossa experiência de perda, bem como a origem da ação política engajada; como se acreditássemos na existência de um mundo em outro lugar, repleto daquilo que Freud chama de ‘satisfação completa’ e Camus chamaria de ‘um mundo mais justo’”.

Segundo o autor, qualquer ideal, qualquer mundo desejado, é uma forma de perguntar qual é o tipo de contexto em que estamos vivendo que faz o universo ideal uma solução. “Nossas utopias nos dizem mais sobre as vidas vividas e suas privações do que sobre nossas vidas sonhadas”, escreve. Afinal, são nossos desejos que estabelecem conexões entre o ser e o vir a ser. Para que esse processo se dê de maneira saudável é fundamental lidar com as perspectivas de frustração. Para Freud, é somente ao passarmos por estados de privação que podemos “alucinar” o que queremos – nos permitimos imaginar a realização do desejo, dando início à elaboração que se insere justamente como pré-condição para a elaboração.

Mas antes de falar em satisfação, evocando personagens clássicos da tragédia, como Rei Lear, Otelo e Mccbeth, heróis que fizeram “ideia errada” do que almejavam, Phillips faz um alerta: se faz necessário recuperar a capacidade de nos frustrarmos: “É preciso lutar contra as tentativas de roubo dos nossos desejos antes mesmo que nós os percebamos”. A boa notícia é que sim, a satisfação é possível. Provavelmente não completa, não incondicional, não definitiva – e certamente não da forma como (arrogantemente) decidimos um dia que seria. Mas é possível; frágil, no entanto passível de cuidadosa e constante reconstrução.

A Casa Encantada & À Frente, O Verso.

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