Neurocientista da Universidade de Nova York deve voltar à China se Estados Unidos cortarem os investimentos em pesquisas; no Brasil, redução foi de 50%
Os genes ativados por atividade neuronal foram descobertos nos anos 1980. Estes genes respondem tão rapidamente a um estímulo que isso lhes valeu o nome de genes imediatos. Vários desses genes medeiam mudanças morfológicas nos dendritos e axônios neuronais.
Tais mudanças no formato, tamanho e quantidade de sinapses são capazes de criar memórias duradouras.
Por essa razão, em meados dos anos 1990 foram iniciados experimentos para verificar se os efeitos positivos do sono sobre a memória seriam causados pela ativação de genes imediatos durante o sono.
Os primeiros experimentos couberam aos neurocientistas Giulio Tononi e Chiara Cirelli, com resultados opostos à hipótese: os genes imediatos pareciam ser desativados pelo sono. Isso levou os pesquisadores a propor que o fortalecimento sináptico ocorre exclusivamente durante a vigília, sendo função do sono enfraquecê-la, o que impediria a saturação e propiciaria a ocorrência de mais aprendizado na vigília seguinte.
Essa teoria foi chamada de hipótese da homeostase sináptica do sono, pois o excesso de fortalecimento sináptico durante a vigília seria equilibrado pelo enfraquecimento sináptico generalizado durante o sono.
Mas isso não é tudo. Em 1995 iniciei experimentos semelhantes aos de Tononi e Cirelli, mas com duas diferenças importantes.
Em primeiro lugar, implantei eletrodos nos cérebros dos animais para separar escrupulosamente as duas fases principais do sono, i.e., o sono de ondas lentas e o sono REM.
Em segundo lugar, comparei animais expostos a estímulos novos com animais não expostos. Os resultados mostraram que o sono de ondas lentas efetivamente desativa genes imediatos, independentemente da experiência prévia do animal.
O sono REM, por outro lado, tem efeitos distintos dependendo da experiência prévia do animal. Em animais não expostos o sono REM desativa genes imediatos, mas em animais expostos o sono REM ativa os mesmos genes.
Esses resultados foram publicados em 1999 e desde então vários laboratórios diferentes observaram efeitos compatíveis com a noção de que o sono REM ativa genes imediatos e fortalece sinapses em alguns neurônios mas não em outros, criando memórias persistentes através de um processo que chamei de entalhamento sináptico.
Por quase duas décadas as duas teorias se confrontaram, com uma longa série de publicações de cada lado, mas atitudes opostas quanto ao campo adversário. Enquanto a teoria de entalhamento sináptico se apoiou nos estudos de Tononi e Cirelli para atribuir ao sono de ondas lentas o papel de enfraquecimento sináptico, a teoria da homeostase sináptica ignorou as evidências contrárias, não deixando lugar para o sono REM nem para o aprendizado durante o sono.
Foi somente em 2014 que Tononi e Cirelli citaram pela primeira vez as publicações inconsistentes com sua teoria, mas mesmo assim sob o argumento de que a ativação de genes imediatos é uma evidência indireta...
No início de 2017, o neurocientista Wenbiao Gan e sua equipe na Universidade de Nova York publicaram na revista Nature Neuroscience os resultados de experimentos inovadores, em que utilizaram microscopia avançada para medir sinapses específicas no cérebro de camundongos.
Os resultados mostraram evidências diretas do fortalecimento de sinapses pelo sono REM após exposição a novo aprendizado. Entrei em contato com o Dr. Gan para parabenizá-lo pela pesquisa e estamos planejando uma colaboração.
Numa das conversas que tivemos, Gan disse que pretende regressar à China se Trump realmente vier a cortar o orçamento da pesquisa. Aqui o governo reduziu o orçamento da ciência e tecnologia em quase 50% e não se vê luz no fim do túnel.
Pesquisar no Brasil é um sonho, mas sofrer ataque tão brutal à ciência tem sido um pesadelo.