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A PANDEMIA VISTA DE 2050 - Fritjof Capra e Hazel Henderson

Vamos supor que temos a possibilidade de despertar em 2050 e visualizar o mundo e suas transformações pós-pandemia, já bem definidas. O que temos a dizer sobre o que ocorria no passado, sobre as falhas e condições da humanidade, e quais mudanças seriam percebidas? Esta é a proposta do artigo escrito pelo físico Fritjof Capra e pela futurista Hazel Henderson, juntar indícios que temos com perspectivas imagináveis.

Imagine que estamos em 2050, olhando em retrospecto para a origem e a evolução da pandemia de coronavírus nas últimas três décadas. Extrapolando a partir de eventos recentes, oferecemos o seguinte cenário para essa visão desde o futuro.

Conforme adentramos a segunda metade do século XXI, finalmente somos capazes de interpretar os sentidos da origem e do impacto do coronavírus que atingiu o mundo em 2020 a partir de uma perspectiva evolucionária sistêmica. Hoje, em 2050, olhando em retrospecto para os últimos 30 anos de turbulência em nosso planeta natal, parece óbvio que a Terra assumiu a tarefa de ensinar uma lição à nossa família humana. O planeta nos mostrou a importância primordial de compreendermos nossa situação a partir de sistemas inteiros, identificados por alguns pensadores visionários já em meados do século XIX. Essa maior consciência humana revelou como o planeta funciona de fato, com sua biosfera viva extraindo poder sistemicamente do fluxo diário de fótons de nossa estrela mãe, o sol.

No fim das contas, essa consciência expandida ajudou a separar as limitações cognitivas e os pressupostos e ideologias equivocados por trás das crises do século XX. Falsas teorias sobre o progresso e o desenvolvimento humano, medido de forma míope a partir de preços e métricas baseadas apenas no dinheiro, como o PIB, culminaram em perdas sociais e ambientais cada vez maiores: poluição do ar, da água e da terra, destruição da diversidade biológica e perda de funções do ecossistema, todos exacerbados pelo aquecimento global, pela elevação do nível dos oceanos e por gigantescas alterações climáticas.

Essas políticas míopes também geraram colapso social, desigualdade, pobreza, doenças mentais e físicas, vícios, a perda de confiança nas instituições (incluindo a mídia, a academia e a própria ciência) e também uma redução da solidariedade comunitária. Elas também provocaram as pandemias do século XXI: SARS, MERS, AIDS, influenza e os muitos coronavírus surgidos em 2020.

Durante as últimas décadas do século XX, a humanidade havia excedido a capacidade regenerativa da Terra. A família humana crescera até atingir os 7,6 bilhões de indivíduos em 2020 e dava continuidade à mesma obsessão por crescimento econômico, corporativo e tecnológico que havia dado início à crescente crise existencial que ameaçava a mera sobrevivência da humanidade. Ao alimentar esse crescimento excessivo com combustíveis fósseis, a humanidade aquecera a atmosfera a tal ponto que o consórcio de ciências climáticas da Organização das Nações UNIDAS (ONU), o IPCC, observou em sua atualização de 2020 que a humanidade dispunha de apenas mais dez anos para reverter essa situação de crise.

Já em 2000, todos os meios estavam disponíveis: possuíamos o conhecimento necessário e já havíamos desenvolvido tecnologias renováveis eficientes e sistemas econômicos cíclicos baseados nos princípios ecológicos da natureza. Em 2000, as sociedades patriarcais estavam perdendo o controle sobre as populações femininas em razão das forças da urbanização e da educação. As próprias mulheres haviam começado a assumir controle sobre seus corpos, e as taxas de fertilidade começaram a despencar antes mesmo da virada para o século XXI. Revoltas disseminadas contra o modelo econômico da globalização, imposto de cima para baixo, e suas elites masculinas dominantes levaram ao colapso da rota insustentável do desenvolvimento baseado em combustíveis fósseis, poderio nuclear, militarismo, lucro, ganância e lideranças egocêntricas.

Os orçamentos militares, que haviam suprimido os recursos de saúde e educação necessários para o desenvolvimento humano, foram redirecionados gradualmente de tanques e navios de batalha para guerras mais baratas e menos violentas calcadas na informação. No início do século XXI, a disputa internacional pelo poder estava mais voltada para a propaganda social, as tecnologias de persuasão, a infiltração e o controle global da Internet.

Em 2020, a pandemia do coronavírus disputava a prioridades nos estabelecimentos médicos com as vítimas das salas de emergência, fossem elas vítimas de ferimento por armas de fogo ou pacientes com outras condições que ameaçavam sua sobrevivência. Em 2019, um movimento de estudantes escolares em todo os Estados Unidos havia se aliado a profissionais da área médica para protestar contra a violência armamentista, vista por eles como uma crise de saúde pública. Não demorou para que surgissem leis mais estritas de controle de armas, acompanhadas pelo boicote dos fundos de pensão aos fabricantes de armamentos e o decorrente enfraquecimento dos lobbys armamentistas. Em muitos países, as armas foram recompradas dos proprietários pelo governo e destruídas, como já havia ocorrido na Austrália no século XX. Isso levou a uma grande queda das vendas globais de armamentos, fenômeno acompanhado por leis internacionais que exigiam licenças anuais e seguros de alto custo dos proprietários, enquanto a taxação global reduziu as dispendiosas corridas armamentistas vistas nos séculos anteriores. Hoje, os conflitos entre nações são em grande parte regidos por tratados internacionais e pela transparência. Em 2050, os conflitos raramente envolvem recursos militares – eles migraram para a propaganda de Internet, a espionagem e as guerras cibernéticas.

Em 2020, essas revoltas trouxeram à tona todos os problemas subjacentes às sociedades humanas: o racismo e a ignorância, passando por teorias conspiratórias, xenofobia e do “outro” enquanto bode expiatório, até chegar às diversas pré-disposições cognitivas, como o determinismo tecnológico, a cegueira de base teórica e um fatal e corriqueiro erro de compreensão que confundia dinheiro com riqueza. O dinheiro, como todos sabemos hoje, foi uma invenção útil: as moedas são simplesmente protocolos sociais (marcadores físicos ou virtuais de confiança) que operam em plataformas sociais com efeito em rede, cujos preços flutuam conforme o nível de uso e confiança de seus muitos usuários. Ainda assim, países e elites ao redor do mundo se deslumbraram com o dinheiro e as apostas no “cassino financeiro global”, estimulando ainda mais os sete pecados capitais em detrimento de valores tradicionais como cooperação, compartilhamento, ajuda mútua e a ética da reciprocidade.

Cientistas e ativistas ambientais haviam alertado para as terríveis consequências dessas sociedades não sustentáveis e esses sistemas de valor retrógrados durante décadas, mas até a pandemia de 2020 os líderes políticos e corporativos, bem como outras elites, haviam resistido com teimosia a esses alertas. Antes incapazes de romper com o estado ébrio derivado do poder político e do lucro financeiro, seus próprios cidadãos os forçaram a redirecionar o foco para o bem estar e a sobrevivência da humanidade e da comunidade da vida. As indústrias fósseis lutaram para manter subsídios e isenções tributárias em todos os países conforme o preço do petróleo e da gasolina despencavam, mas já não tinham a mesma capacidade para comprar favores políticos e apoio aos seus privilégios. Foi necessária a reação global de milhões de jovens, “ambientalistas raiz” e povos indígenas que entendiam os processos sistêmicos de nosso planeta Gaia – uma biosfera regulada e organizada de forma autônoma que, durante bilhões de anos, havia gerenciado toda a evolução planetária sem a interferência de seres humanos cognitivamente limitados.

Nos primeiros anos de nosso século XX, Gaia respondeu de forma inesperada, como já fizera tantas vezes durante a longa história da evolução. Os humanos derrubaram amplas áreas de florestas tropicais e se intrometeram de forma massiva em outros ecossistemas ao redor do mundo, fragmentando esses ecossistemas autorregulatórios e fraturando a rede da vida. Uma das muitas consequências dessas ações destrutivas foi que alguns vírus que até então viviam em simbiose com determinadas espécies animais “saltaram” dessas espécies para outras e, então, para o corpo dos humanos, onde eram muito tóxicos ou até mesmo mortais. Pessoas de muitos países e regiões, marginalizadas pela limitada globalização econômica voltada para o lucro, mitigavam sua fome comendo animais silvestres dessas regiões recém-expostas, matando macacos, gatos-do-mato, gambás, roedores e morcegos para utilizá-los como fontes adicionais de proteína. Essas espécies selvagens, portadoras de diversos vírus, também eram vendidas vivas em “mercados frescos”, expondo ainda mais as populações urbanas aos novos vírus.

Nos anos 1960, por exemplo, um vírus obscuro saltou de uma espécie rara de macacos utilizado na alimentação de humanos na África Ocidental. De lá ele se espalhou para os Estados Unidos, onde foi identificado como o vírus HIV e causou a epidemia de AIDS. Ao longo de quatro décadas, ela causou a morte de um número estimado em 39 milhões de pessoas ao redor do mundo, cerca de 0,5 por cento da população mundial. Quatro décadas mais tarde, o impacto do coronavírus foi rápido e dramático. Em 2020, o vírus pulou de uma espécie de morcegos para os humanos na China, de onde se espalhou rapidamente pelo mundo, deixando um número estimado em 50 milhões de mortos em uma única década e dizimando assim a população mundial.

Do privilegiado ponto de vista de 2050, podemos olhar em retrospecto para essa sequência de vírus: SARS, MERS e o impacto global das diversas mutações do Coronavírus iniciadas em 2020. Essas pandemias acabaram sendo estabilizadas, em parte através da proibição estrita de “mercados vivos” em toda a China em 2020. Essa proibição foi replicada por outros países e mercados globais, dando fim ao comércio de animais silvestres e reduzindo vetores. Ao mesmo tempo, os sistemas públicos de saúde, cuidados preventivos e o desenvolvimento de vacinas e medicamentos eficazes foram aprimorados.

As lições básicas para os seres humanos nesses trágicos 50 anos de crises globais auto infligidas – os martírios das pandemias, cidades inundadas, florestas queimadas, secas e outros desastres climáticos cada vez mais violentos – eram simples, muitas delas baseadas nas descobertas de Charles Darwin e de outros biólogos dos séculos XIX e XX:
- Nós humanos somos uma espécie com muito pouca variedade de DNA.

- Evoluímos ao lado de outras espécies da biosfera do planeta através da seleção natural, respondendo a mudanças e perturbações em nossos vários ambientes e habitats.

- Somos uma espécie global, que migrou do continente 
africano para todos os outros, competindo com outras espécies e levando várias delas à extinção.

- Nossa colonização planetária e nosso sucesso na Era do Antropoceno do século XXI deveu-se em grande parte à nossa capacidade de nos aproximarmos, cooperarmos, compartilharmos e evoluirmos em populações e organizações cada vez maiores.
- A humanidade cresceu a partir de grupos errantes de nômades e passou a viver em vilarejos agrícolas estáticos, depois em cidadezinhas, depois nas grandes metrópoles do século XX, onde vivia mais de 50% de nossa população. Até a crise climática e as pandemias dos primeiros anos do século XXI, todas as previsões apontavam para o crescimento dessas metrópoles e uma população humana de 10 bilhões nos dias hoje, em 2050.

Agora sabemos por que as populações humanas atingiram seu ápice de 7,6 bilhões em 2030, conforme previsto no cenário mais otimista do IPCC, bem como nas pesquisas urbanas globais realizadas por cientistas sociais que documentavam o declínio da fertilidade em Empty Planet (2019).
Os “ambientalistas raiz” atualizados com novos conhecimentos, as multidões de estudantes escolares, os ecologistas ao redor do mundo e as mulheres empoderadas se uniram a investidores e empreendedores mais éticos e preocupados com a natureza para tornar os mercados mais locais. Milhões de consumidores passaram a ser atendidos por cooperativas de pequenas redes movidas a energia renovável. Somavam-se a elas os empreendimentos corporativos do mundo todo que, mesmo em 2012, empregavam mais pessoas do que todas as empresas de fins lucrativos somadas. Essas empresas já não utilizavam falsas métricas orientadas pelo dinheiro ou pelo PIB: a partir de 2015, passaram a orientar suas atividades segundo diretrizes da ONU, o conjunto de 17 metas de sustentabilidade e regeneração de todos os ecossistemas e da saúde humana.

Essas novas métricas e metas sociais focavam sempre na cooperação, no compartilhamento e em maneiras mais sábias de desenvolvimento humano, empregando recursos renováveis e maximizando a eficiência. A sustentabilidade de longo prazo, se distribuída de forma igualitária, beneficia todos os membros da família humana a partir de uma lógica de tolerância com as outras espécies de nossa biosfera. A concorrência e a criatividade florescem com boas ideias, tornando obsoletas aquelas de menor utilidade, e andam de mãos dadas com padrões éticos baseados na ciência, qualificando a informação em sociedades mais autossuficientes e conectadas em todos os níveis, do local ao global.

Quando o coronavírus surgiu em 2020, de início as primeiras respostas humanas foram caóticas e insuficientes, mas logo se tornaram mais coesas e mudaram drasticamente. O comércio global encolheu, limitando-se ao transporte de bens raros e migrando para o intercâmbio de informações. Ao invés de enviar bolos, balas e biscoitos de um ponto a outro do planeta, passamos a enviar suas receitas, bem como outras receitas para criar comidas e bebidas de base vegetal. A nível local, implementamos tecnologias ecológicas: fontes de energia solar, eólica e geotérmica, iluminação de LED, veículos, barcos e até mesmo aeronaves elétricos.

As reservas de combustível fóssil permaneceram em segurança debaixo do solo, pois o carbono passou a ser visto como um recurso precioso demais para ser queimado

O excesso de CO2 na atmosfera proveniente da queima de combustíveis fósseis foi capturado por bactérias orgânicas do solo, plantas de raízes profundas, bilhões de árvores recém plantadas e em um reequilíbrio geral dos sistemas alimentares humanos, até então amparados no agronegócio, nas indústrias bioquímicas, na publicidade e no comércio global de alguns poucos vegetais provenientes da monocultura. Essa hiperdependência de combustíveis fósseis, pesticidas, fertilizantes e antibióticos em dietas cuja base era a carne de animais criados em cativeiro dependia das reservas minguantes de água potável e se mostraram insustentáveis. Hoje, em 2050, nossa comida é produzida localmente, incluindo muitos vegetais nativos e selvagens, agricultura em água salgada e outras plantas alimentícias afeitas ao sal (halófitas), cujas proteínas inteiras são mais saudáveis para as dietas humanas.

O turismo em massa – e as viagens em geral – passaram por uma retração radical, bem como o tráfego aéreo e o uso obsoleto de combustíveis fósseis. As comunidades ao redor do mundo se estabilizaram em centros populacionais de tamanho pequeno ou médio, que se tornaram bastante autossuficientes graças à produção local e regional de comida e energia. O uso de combustíveis fósseis praticamente desapareceu, pois mesmo em 2020 ele já não era capaz de competir com o desenvolvimento acelerado de fontes renováveis de energia e as correspondentes novas tecnologias, nem à reutilização de recursos, antes desperdiçados, por uma economia circular que temos hoje.

Devido ao risco de infecções em grandes aglomerações, os sweat shops, as grandes redes de lojas e os eventos esportivos ou de entretenimento em grandes arenas desapareceram gradualmente. Os políticos democráticos se tornaram mais racionais, pois os demagogos já não podiam reunir milhares de pessoas para ouvi-los em seus grandes comícios. Suas promessas vazias também foram refreadas pelas redes sociais após a quebra desses monopólios voltados para o lucro em 2025; hoje, em 2050, eles são regulados como utilidades públicas, servindo ao bem público em todos os países.

O cassino global dos mercados financeiros entrou em colapso, e as atividades econômicas se deslocaram do setor financeiro para as cooperativas de crédito e os bancos públicos, dando origem aos setores colaborativos que conhecemos hoje. A manufatura de bens e nossas economias baseadas em serviços resgataram as permutas, o voluntariado informal e as moedas locais, bem como diversas transações não monetárias surgidas no ápice da pandemia. Como consequência da grande descentralização e do crescimento de comunidades autossustentáveis, a economia de 2050 é menos extrativa e mais regenerativa, e os abismos de renda e a desigualdade dos modelos de exploração obcecados pelo lucro desapareceram em sua maioria.

Ao levar os mercados globais à bancarrota, a pandemia de 2020 enfim derrubou a ideologia do dinheiro e do fundamentalismos de mercado.
As ferramentas dos bancos centrais já não funcionavam, então o “helicopter money’ e os pagamentos diretos em espécie para famílias necessitadas, dos quais o Brasil foi pioneiro, tornaram-se os únicos meios para manter o poder de compra e suavizar a transição econômica ordenada para sociedades sustentáveis.

 Isso levou os políticos europeus e estadunidenses a criar dinheiro novo. Essas políticas de estímulo substituíram a “austeridade” e foram logo investidas em todos os recursos renováveis de infraestrutura em seus respectivos planos de Green New Deal.

Quando o coronavírus se espalhou para animais domésticos, gado e outros ruminantes, ovelhas e cabras, alguns desses animais se tornaram portadores da doença sem demonstrarem qualquer sintoma. Consequentemente, a matança e o consumo dessas espécies despencou no mundo todo.  As pastagens e a criação industrial de animais correspondia a quase 15% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa a cada ano. As grandes corporações multinacionais produtoras de carne foram apontadas por hábeis investidores como novo conjunto de “ativos ociosos”, na esteira das companhias de combustíveis fósseis. Algumas redirecionaram toda a sua estrutura para alimentos de base vegetal com diversos análogos de carne, peixe e queijo. Bifes se tornaram muito caros e raros, e as vacas passaram a ser propriedade das famílias, como a antiga tradição, em pequenas fazendas para produção de leite, queijo e carne, e também de ovos das galinhas.

Depois que vacinas caras e subsidiadas contra a pandemia foram desenvolvidas, as viagens globais passaram a ser permitidas somente com os atuais certificados de vacinação, usados, sobretudo, por comerciantes e pessoas ricas. Agora a maior parte da população mundial prefere os prazeres da comunidade, dos encontros e da comunicação virtual, bem como viagens locais com transporte público, carros elétricos e os veleiros movidos pelo vento e por luz solar que tanto amamos. Por consequência, a população do ar caiu drasticamente em todas as principais cidades do mundo.

Com o crescimento de comunidades autossustentáveis, despontaram em muitas cidades as assim chamadas “vilas urbanas” – bairros remodelados que combinam estruturas de alta densidade a amplas áreas verdes comuns. Essas áreas fomentam economias significativas de energia e um ambiente mais saudável, seguro e voltado para as necessidades da comunidade, com níveis muito reduzidos de poluição.

As cidades ecológicas de hoje incluem alimentos produzidos em edifícios com terraços solares, jardins vegetais e transporte público elétrico, pois os automóveis foram em grande parte banidos das ruas urbanas em 2030. As ruas foram reclamadas por pedestres, ciclistas e pessoas em pequenas motocicletas que perambulam por estabelecimentos comerciais de pequeno porte, galerias de profissionais autônomos e mercados onde é possível comprar direto do produtor. Os veículos elétricos solares para viagens intermunicipais costumam descarregar as baterias à noite para fornecer eletricidade para as casas de uso unifamiliar. Carregadores de uso livre para veículos solares estão disponíveis em todas as regiões, reduzindo o uso de eletricidade de base fóssil das obsoletas usinas centralizadas, muitas das quais faliram antes de 2030.

Após todas as mudanças profundas que nos trouxeram aqui, percebemos que agora nossas vidas são menos estressantes, mais saudáveis e mais satisfatórias. Hoje, nossas comunidades orientam seus planos para o futuro de longo prazo. Para garantir a sustentabilidade de nossos novos modos de vida, percebemos que era crucial recuperar os ecossistemas do mundo todo para que vírus perigosos para a vida humana permanecessem confinados em outras espécies, contra as quais são inofensivos. Para recuperar os ecossistemas a nível mundial, nossa migração global para uma agricultura orgânica e regenerativa prosperou, assim como os alimentos e bebidas de base vegetal, as comidas criadas em água salgada e os pratos com algas de que tanto gostamos. Os bilhões de árvores plantadas ao redor do mundo após 2020, assim como as melhorias da agricultura, levaram à recuperação gradual os ecossistemas.

Como consequência de todas essas mudanças, o clima global finalmente se estabilizou, e hoje as concentrações atmosféricas de CO2 estão de volta às 350 partes por milhão, um índice seguro. A elevação dos oceanos permanecerá assim por um século, e agora muitas cidades prosperam em locais mais seguros e elevados. Hoje as catástrofes climáticas são raras, embora muitos eventos climáticos continuem a perturbar nossas vidas, como já faziam em séculos anteriores. As muitas crises e pandemias globais, causadas por nossa antiga ignorância em relação aos processos planetários e ciclos viciosos teve consequências trágicas e de grande amplitude para os indivíduos e comunidades. Ainda assim, nós, humanos, aprendemos muitas lições dolorosas. Hoje, em 2050, ao olharmos em retrospecto, percebemos que a Terra é nossa maior professora, e suas terríveis lições podem ter salvado da extinção não só a humanidade, mas também muitas das comunidades vivas que compartilham o planeta conosco.

Tradução Bruno Mattos   
Fritjof Capra, Ph.D., físico e teórico de sistemas, é autor de diversos best-sellers internacionais, incluindo O Tao da Física (1975) e A Teia da Vida (1996). É coautor, ao lado de, Pier Luigi Luisi, do texto multidisciplinar A Visão Sistêmicas da Vida. Capra oferece um curso on-line baseado nesse livro.
Hazel Henderson, D.Sc.Hon., membro da Royal Society of Arts, futurista, analista de sistemas e de políticas científicas, é autora de “The Politics of the Solar Age” (1981, 1986) e outros livros que incluem “Mapping the Global Transition to the Solar Age” (2014). Henderson é CEO da Ethical Markets Media Certified B. Corporation, dos Estados Unidos, editor da Green Transition Scoreboard ® e também do livro e série de TV “Transforming Finance”, a serem lançados em breve.
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O Leblon pré-novelas do Manoel Carlos.
Contos e crônicas.

A Casa Encantada
Contos do Leblon
Edmir Saint-Clair
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SONO: UMA FAXINA NOTURNA - Suzana Herculano-Houzel

O sono não é apenas “o outro” estado 
de funcionamento do cérebro,
 mas uma necessidade básica 
para que o cérebro trabalhe direito quando acordado

Dormimos cerca de oito horas por noite, todas as noites (ou quase). E se não dormimos, as consequências são imediatas: fadiga mental, dificuldade de encontrar as palavras, de fazer contas de cabeça, de se manter atento, de tomar decisões. Fica óbvio que o sono não é apenas “o outro” estado de funcionamento do cérebro, mas uma necessidade básica para que o cérebro trabalhe direito enquanto acordado da próxima vez. Até mesmo consolidar o aprendizado do dia – ou seja, transferir informações de maneira duradoura para a memória – depende de sono naquela noite.

Mas nada disso explica por que dormimos. Por que é mandatório dormir, a ponto de a insônia completa e permanente acabar sendo letal a humanos, camundongos e até mesmo moscas?

Foi apenas no final de 2013 que a neurociência finalmente teve uma forte candidata a resposta, vinda do laboratório da Dra. Maiken Nedergaard, nos EUA: o sono parece ser a oportunidade do cérebro para que metabólitos (quer dizer, produtos do metabolismo normal do cérebro) potencialmente tóxicos sejam eliminados, permitindo às células começar um novo dia limpas, ao invés de nadando em suas próprias excreções.

O interesse inicial da equipe de Maiken Nedergaard não era o sono em si, mas estudar o espaço intersticial do cérebro: o volume situado do lado de fora das células, por onde circula o líquido que banha as células e “lava” embora tudo aquilo que elas excretam, inclusive os tais metabólitos. Para estudar o espaço intersticial, a equipe injetava um corante que se espalhava por esse espaço no cérebro de camundongos acordados sob o microscópio, com seu cérebro exposto por uma janela implantada no crânio.

O experimento devia ser um tanto monótono para os animais, pois estes acabavam adormecendo. Foi o que levou à descoberta. Com o animal acordado, o corante injetado ficava apenas na superfície do cérebro. Mas, para a surpresa dos pesquisadores, assim que o animal adormecia, era como se uma torneira de corante houvesse sido aberta: o líquido agora se espalhava rapidamente pelo espaço intersticial.

Investigando o fenômeno inesperado, a equipe demonstrou que a circulação de líquido pelo espaço intersticial é mínima no cérebro acordado, quando o espaço interesticial é reduzido. Mas a transição para o sono leva a uma expansão de 60% desse espaço, o que aumenta enormemente a circulação de líquido. Na prática, o resultado é que a remoção de toxinas produzidas pelo funcionamento das células essencialmente só ocorre durante o sono; no cérebro acordado, com pouca circulação de líquido, elas vão se acumulando.

Ao menos um desses metabólitos, aliás, é forte candidato justamente a fator causador do sono: adenosina, produzida e liberada por neurônios e células gliais durante o funcionamento do cérebro acordado. Quanto mais adenosina se acumula, mais difícil fica se manter acordado, motivado e atento – e maior é a sensação de sonolência. É fácil pensar em como o cérebro, acordado, fica gradualmente prejudicado conforme se acumulam os produtos tóxicos do seu próprio funcionamento, como a própria adenosina. Quanto mais tempo se passa acordado, mais difícil é continuar acordado – e mais forte, portanto, é a tendência a adormecer.

Dormir parece ser a solução para o problema: um estado transitório, mas obrigatório, repetido todos os dias após um certo número de horas acordado, acumulando lixo. Dormir limpa o cérebro, levando embora adenosina e o que mais houver se acumulado. 
E assim você acorda pronto para... começar tudo de novo.
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Contos, Crônicas e Poesias









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O HÁBITO DE LER É O QUE NOS TORNA MAIS HUMANOS, DIZ A CIÊNCIA.

A gente já sabia, mas os estudiosos confirmaram: ser um leitor de ficção te faz ter mais empatia pelo próximo.

Você pode estar precisando de uma desculpinha para ler mais (ou para estimular alguém a fazer o mesmo) ou de um empurrãozinho para decidir qual será sua próxima leitura. Ou pode estar, simplesmente, querendo entender um pouco melhor como funciona essa coisa bem louca chamada “humanidade”.

Para qualquer um destes três casos, nós temos boas notícias: para a ciência, tem ficado cada vez mais claro o quanto aqueles que leem literatura de ficção desenvolvem o dom da empatia muito mais do que os outros.

E por “ficção” entende-se que vai além da científica – estamos falando de romances, mesmo, histórias inventadas, daquelas que nos transportam diretamente para a cabeça de um ser que, na verdade, não existe.

Em meados do século passado, surgiu a Teoria da Mente, descrita pela revista Science como “a capacidade humana de compreender que as outras pessoas têm crenças e desejos e que eles podem ser diferentes de suas próprias crenças e desejos”.

Um estudo publicado em 2013 na mesma revista descobriu, justamente, que os leitores de romances costumam se sair melhor, quando testados a respeito da Teoria da Mente. Ou seja: eles compreendem melhor o fato de que os seres humanos têm opiniões diferentes.

Em julho de 2018, outra pesquisa sobre empatia e a leitura examinou como essa relação é poderosa. Entre os participantes, alguns foram convidados a ler o conto Saffron Dreams, da autora paquistanesa Shaila Abdullah, enquanto outros só foram informados sobre como a história se desenrolava.

Depois, todos eles foram expostos a fotografias de olhares – de várias pessoas diferentes – e estimulados a supor o que cada um dos fotografados estava pensando e sentindo.

Os que leram o conto viam com empatia semelhante os rostos de pessoas árabes e de pessoas brancas, mais do que os outros que não leram.

Resumindo: além de ler ficção, precisamos investir nas narrativas, mesmo.

Entre um livro de ficção e uma biografia, portanto, você já pode ter certeza do que escolher, para a próxima leitura. Aproveite!
Giovana Feix

CIÊNCIA COGNITIVA NA SALA DE AULA - Daniel T. Willingham

Professores precisam de fontes confiáveis para diferenciar 
modas e falácias de métodos comprovados

A maioria dos professores concordaria que é importante que os alunos se lembrem do que leem. Mas uma das coisas mais comuns em escolas e faculdades é vê-los debruçados sobre livros, marca-textos na mão, destacando passagens pertinentes – que geralmente acabam incluindo a maior parte da página. No final do semestre eles se preparam para as provas, voltando aos livros e relendo os blocos amarelos do texto.

Pesquisas mostraram que destacar e reler textos estão entre as maneiras menos eficazes de os alunos se lembrarem do conteúdo que leram. Uma técnica muito melhor é fazer uma dinâmica em grupo. Em um estudo, alunos que leram determinado texto uma vez e tentaram lembrá-lo em três ocasiões tiveram notas 50% maiores nas provas que alunos que leram um texto e depois o releram três vezes. E ainda assim muitos professores insistem em encorajar – ou pelo menos em não desencorajar – as técnicas que a ciência provou ineficazes.

Esse é apenas um sintoma do fracasso geral de integrar o conhecimento científico na escola. Muitas ideias comuns sobre educação desafiam princípios de cognição e aprendizagem. Um erro comum, por exemplo, é pensar que o ensino de conteúdo é menos importante que o de habilidades de pensamento crítico ou estratégias de resolução de problemas. Pesquisadores sabem há muito que crianças devem aprender as conexões entre letras e sons e que se beneficiam mais quando essa instrução é planejada e explícita. Mas alguns programas de leitura, mesmo os usados em grandes distritos escolares, só ensinam isso se o professor considerar necessário.

É fácil dizer que os professores devem se esforçar mais para acompanhar a ciência, mas ensinar já é uma profissão muito trabalhosa. E é difícil para um não especialista separar pesquisas científicas da avalanche de falação e pseudociência. Vendedores de panaceias caras e supostamente baseadas em pesquisas científicas fazem lobby de produtos que podem ter validade científica mas ainda não foram profundamente testados. Teorias de aprendizagem matemática, por exemplo, sugerem que jogos de tabuleiro lineares (mas não circulares) aumentam a prontidão matemática em pré-escolares, mas a ideia precisa de testes em grande escala.

Como os educadores devem saber quais práticas adotar? Uma instituição que consulte pesquisas e as resuma poderia resolver o problema. A medicina fornece um precedente: médicos praticantes não têm tempo para se manter atualizados com as dezenas de milhares de artigos de pesquisa publicados anualmente, capaz de sugerir uma mudança de tratamento. Em vez disso, eles confiam em sumários respeitáveis de pesquisas, publicados todo ano, que concluem se as evidências acumuladas apoiam mudanças na prática médica. Professores não têm nada semelhante a essas revisões competentes: eles estão por conta própria.

O Departamento de Educação dos Estados Unidos (DOE, em inglês) tentou, no passado, levar rigor científico ao ensino. A câmara What Works, criada em 2002 pelo Instituto de Ciências Educacionais do DOE, avalia currículos, programas e materiais de sala de aula, mas seus padrões são estritos e professores não têm participação no processo de verificação, tampouco na avaliação – e isso é crucial. Cientistas podem analisar pesquisas, mas professores entendem de educação. O propósito dessa instituição seria o de produzir informações que possam ser usadas para modelar ensino e aprendizagem.

É importante também que ideias fornecidas por uma instituição venham da ciência básica. Muitos professores precisam perder as noções de que crianças têm “estilos de aprendizagem” diferentes e que cérebro de menino é melhor em atividades espaciais que o de menina. Pode-se dizer que o trabalho de levar informações científicas precisas sobre cognição e aprendizagem a professores seja responsabilidade de faculdades de educação, estados, distritos e organizações profissionais de professores, mas essas instituições mostraram pouco interesse na função. Um conselho nacional de revisão neutro seria a resposta mais simples e rápida para um problema que é um grande obstáculo para a melhoria em muitas escolas.


DORMIR E ACORDAR TARDE NÃO TEM PROBLEMA NENHUM, DIZ A CIÊNCIA


Já ouviu falar em cronobiologia? É o estudo da relação entre o tempo e do funcionamento biológico da natureza – e entre tantos temas que explora, está o relógio biológico interno, que cada pessoa possui individualmente.

Por mais que nossa sociedade esteja condicionada a encarar o período noturno (entre 11 da noite e 7 da manhã) como momento de descanso, cerca de 40% da população mundial não se identifica naturalmente com esse padrão de comportamento.

Ser mais "diurno" ou "noturno" (ou seja, seu cronotipo) é algo que está no DNA e é muito, muito difícil de mudar. A ponto de descobrirmos, atualmente, que tentar interferir nisso pode interferir na sua saúde.

Mas mais do que isso, as pessoas que dormem tarde (e, por consequência, acordam mais tarde também) costumam sofrer preconceito da sociedade, sendo considerados preguiçosos ou desmotivados, mesmo não tendo controle sobre esse comportamento.

Para Camilla Kring, fundadora da B-Society, uma sociedade que advoga pelo trabalho à tarde, nosso mundo não tem mais desculpas para exigir horários tão fixos de trabalho ou estudo. Em entrevista ao Vox, Kring explica: "em um mundo que a conexão de internet permite que trabalhemos em qualquer lugar e horário, as companhias deveriam permitir que seus funcionários tenham horários mais flexíveis e focados em seu horário ideal de sono".

Para Kring, o modelo atual favorece pessoas com um relógio biológico matutino, que podem encarar uma reunião de manhã sem sofrimento. "Ao mudar seu horário em uma ou duas horas, você pode ter mais horas de sono e mais produtividade".

O raciocínio é simples: em teoria, pelo menos, deveríamos trabalhar em horários que nos sentimos mais despertos, ágeis e produtivos.

Um apanhado de 2015, que resume uma série de artigos sobre sono e relógio biológico, chega à conclusão de que nossa sociedade está condicionada a enxergar pessoas com preferência por dormir e acordar tarde de forma negativa, sem base científica suficiente para endossar esse comportamento.

Cabe à ciência fazer mais estudos sérios sobre o assunto e investigar novas formas de favorecer diferentes cronotipos.

ORIGEM DA AMIZADE É MAIS ANTIGA DO QUE PENSÁVAMOS.

Assim como os humanos, animais também se beneficiam de possuir amigos. Novos estudos mostram que animais que podem contar com outros – para se coçar, dividir comida ou fazer um gesto de amizade – têm mais chances de se reproduzir e conseguem encarar melhor as doenças.
Isso sugere que a necessidade de confiança e companhia é mais antiga do que pensamos. Se isso for verdade, a amizade pode oferecer vantagens evolucionárias.
“Esse fenômeno está começando a parecer algo muito antigo na evolução, que é dividido por muitas espécies sociais”, afirma a bióloga Dorothy Cheney.
Estudos com macacos, cavalos e chimpanzés mostram que eles são seletivos na hora de escolher com quem passar tempo ou comer. Outro trabalho atual revela que um hormônio de ligação social torna os macacos mais generosos uns com os outros. Pesquisas mostram que fêmeas de elefantes, golfinhos e roedores com boas amigas têm mais chance de ter mais crias e viver mais.
São muitas as linhas de pesquisa. Analisar todos esses fatores pode trazer pistas para a origem e evolução que faz dos humanos seres tão sociais.

Eu te protejo
Os cientistas sabem há tempos que os animais formam laços. Primatas e cavalos que passam mais tempo próximos geralmente são mais amigos e menos agressivos uns com os outros. Chimpanzés e elefantes dividem comida, confortam os machucados e parecem ficar mal quando seus parentes morrem.
Mesmo assim, por décadas, a visão mais comum era de que as interações aconteciam apenas entre os animais muito próximos (familiares). Laços formados entre animais sem parentesco eram supostamente passageiros, realizados para conseguir um benefício imediato. Mas agora os cientistas sabem que isso não é verdade. E evidências indicam que um animal pode fazer algo para ajudar outro, sem ser da família, para receber algum benefício posterior.
Em termos estritamente evolucionários, os parentes se ajudam para promover a sobrevivência do material genético. Mesmo assim várias espécies formam laços com aqueles que não carregam a mesma genética.
Chimpanzés machos formam coalizações, e tomam parte de um lado, mas não de maneira aleatória. Eles ficam junto daqueles que futuramente vão ajudá-los. Um estudo de 2009 mostrou que 22 entre 28 chimpanzés formaram seus laços mais fortes de amizade com um outro com o qual não tinham parentesco, com algumas amizades durando uma década ou mais.
O maior fator para justificar a amizade entre animais – principalmente os machos – é evitar conflitos, e ter mais integrantes para defender o território e o grupo. Mas eles, e nós também, fazemos amigos por outra razão também: porque dá uma sensação boa. Não apenas é relaxante como também dá um efeito positivo na saúde.
Estudos detectaram a ocitocina – um dos hormônios que é secretado em situações prazerosas – nos macacos sociais, que eram também mais generosos com os outros. Mais pesquisas serão feitas ainda, para analisar também o lado neural desse tipo de relação no mundo animal.
Como você pode ver, amizade não é algo apenas humano, mas histórico na natureza. Viva os amigos!
[ScienceNews]

TRAUMAS DA PERDA - Anette Kersting

No Brasil, em média, duas em cada dez crianças morrem ainda na barriga da mãe, em decorrência de aborto espontâneo. Mães e pais que passam por essa situação sofrem durante longo tempo, pois embora não tenham tomado seus bebês nos braços, desenvolvem com eles uma relação íntima de afeto

“Estou na cozinha e de repente começo a sangrar. No entanto, hoje ao meio-dia ainda estava tudo bem no ultrassom. Tudo acontece muito rápido: meu marido chama a ambulância e vejo a poça de sangue embaixo de mim; tenho um pressentimento terrível. Acho que meu filho não vive mais. Fico desesperada. Quando os enfermeiros me deitam na maca, fico calma – tudo parece irreal. 

No hospital, todos que me atendem parecem agitados. Um médico me examina com um instrumento de metal gelado. A ultrassonografia confirma o que eu já sabia, mas insistia em não acreditar: meu bebê está morto. É preciso fazer logo uma curetagem. O médico diz que eu ainda poderei ter muitos filhos. Mas meu bebê está morto. Ele não pode ser substituído por nada nem por ninguém. Nunca.” (Depoimento de paciente do Hospital da Universidade de Münster que sofreu um aborto.)

A morte do filho antes do nascimento joga a maioria das mães e pais em uma profunda crise. Se os médicos supunham há 30 anos que o melhor para os casais seria esquecer o evento o mais rápido possível, hoje – graças à psicologia e à psicanálise – se sabe que as reações à perda de um filho antes do nascimento só se diferenciam fracamente das que ocorrem em outros casos de luto. No entanto, sua magnitude raras vezes é percebida por aqueles que rodeiam as pessoas que passam por essa situação e, não raro, os homens encontram ainda menos espaço para viver sua tristeza. 

Dependendo do estudo, entre 10% e 30% das crianças morrem ainda antes de nascer. No fundo, isso pode ocorrer em qualquer período de uma gravidez. Até a 16a semana, os médicos falam em aborto precoce, depois; em aborto tardio. Mais da metade de todos os abortos espontâneos ocorre, no entanto, antes do terceiro mês de gravidez. E somente os bebês com peso corporal de 500 gramas que morrem antes ou durante o parto são considerados “crianças nascidas mortas”. Embriões menores não têm registro civil nem direito a enterro.

O estresse psicológico sofrido pelos pais pelo abortamento ou pelo nascimento de um bebê morto já foi muitas vezes estudado cientificamente. Nesses trabalhos, as mulheres geralmente eram focadas de maneira mais intensa que os homens. Em 2005, nosso grupo de trabalho do Hospital da Universidade de Münster estudou os dados de pacientes mulheres que haviam perdido um filho antes do nascimento entre 1995 e 1999. Descobrimos que dois terços delas ainda experimentavam um grande trauma, mesmo quando já haviam se passado dois a sete anos da perda. A intensidade de sua dor pouco se diferenciava dos sentimentos de perda em mulheres cujo abortamento ocorrera havia apenas 14 dias.

Esses resultados não sugerem processos de luto excepcionais ou mesmo patológicos, mas mostram, isso sim, que antes do nascimento já existe uma relação intensa entre mãe e filho. Em comparação com mães de bebês saudáveis, as mulheres que perdem o filho no último trimestre de gravidez enfrentam alto risco de sofrer de depressão. Isso foi comprovado em 2003 por Jesse Cougle e seus colegas da Universidade do Texas, em Austin. Em 2007, nossa equipe finalizou um estudo próprio sobre as sequelas psicológicas de pacientes cuja gravidez teve de ser interrompida por motivos médicos já na fase tardia: quase 17% das mulheres ainda sofriam 14 meses depois de depressão ou ansiedade.

Outro risco frequentemente subestimado diz respeito ao próximo filho gerado após um aborto. Em geral a perda não influencia a probabilidade de a mulher dar à luz um bebê saudável. Mas a gravidez fracassada pode influenciar a ligação da mãe com a criança gestada em seguida, conforme descobriram em 2001 pesquisadores do Departamento de Psiquiatria do Hospital Escola St.George, em Londres. 

Assim, por medo de uma nova perda, quando engravidam outra vez muitas mulheres assumem um relacionamento menos intenso com os filhos que estão gestando. Em comparação com crianças de um grupo de controle, esses bebês apresentam por volta dos 12 meses, em alguns casos, apatia e, em outros, irritação e ansiedade, o que reflete a fragilidade da ligação afetiva com a mãe, podendo surgir mais tarde problemas de autoestima e distúrbios comportamentais.

À primeira vista, poderíamos pensar que os pais desenvolvem uma relação menos estreita com seus filhos que não chegaram a nascer, em comparação às mães. Estudos recentes, porém, contrariam essa suposição. Os psicólogos britânicos Martin Johnson e John Puddifoot observaram, por exemplo, que homens que viram uma imagem de ultrassom de seus filhos e ouviram seu coraçãozinho bater sofriam mais intensamente com a perda do que aqueles que não tinham essas experiências – e lembranças. 

Aparentemente, a existência de exames médicos mais sofisticados estimula a ligação entre pai e filho.

Já em 1995 psicólogos da Universidade de Rochester, no estado americano de Nova York, tentaram descobrir se mães e pais apresentam diferentes sintomas quando não conseguem lidar com a morte de seu bebê. Eles acompanharam 194 mulheres e 143 homens nessa situação e constataram que elas sofriam mais frequentemente de depressão e medos, enquanto mais da metade deles recorria ao álcool.

SOFRIMENTO DIVIDIDO
Um estudo de 2003 coordenado por Kirsten Swanson, da Universidade de Washington, em Seattle, corrobora a conclusão de que, dependendo do sexo, as pessoas lidam de forma diferente com sua dor. Segundo os autores, as mulheres frequentemente têm necessidade de falar sobre a perda; já os homens tendem a se voltar para o trabalho ou a buscar distração em outras atividades.

Swanson investigou também se essas estratégias de superação específicas de cada gênero sobrecarregavam o relacionamento do casal. De fato, muitas vezes ocorrem mal-entendidos, como se surgisse (ou se tornasse mais acentuada) a dificuldade de comunicação. Por exemplo, as mulheres tendem a interpretar o mutismo e o retraimento do parceiro como egoísmo e falta de empatia.

Homens, por sua vez, sentem-se muitas vezes indefesos diante da tristeza intensa e explícita de suas parceiras. Para não sobrecarregá-las ainda mais, eles controlam as próprias emoções e evitam falar abertamente sobre elas.

PSICOTERAPIA PELA INTERNET
 Com base em nossa experiência clínica de acompanhamento e tratamento de pais após a perda de um filho, desenvolvemos em 2008 um programa preventivo que inclui cinco sessões de terapia. 

Nos encontros são abordados temas importantes como a retrospecção à época da gravidez e do nascimento, a despedida do filho, a relação do casal e a importância do ambiente social. Para ajudarmos também os pais que moram longe ou não podem participar de uma terapia presencial, buscamos uma alternativa para o atendimento costumeiro, cara a cara. 

Foi assim que desenvolvemos um conceito de tratamento pela internet para pais que haviam perdido um filho durante a gravidez ou pouco após o nascimento: o projeto será patrocinado durante três anos pelo Ministério da Família, Mulheres, Idosos e Adolescentes da Alemanha. Portanto, não há custos para os pacientes. Diferentemente dos tratamentos tradicionais, a terapia on-line permite a comunicação exclusivamente por escrito. 

Obviamente, nessa situação a interação não verbal entre paciente e terapeuta – por meio da postura corporal, o contato visual ou a voz – não ocorre no caso desse método. 

No entanto, essas informações emocionais importantes podem e devem ser destacadas pelo uso de diversas fontes ou variações do pano de fundo na tela. Outra característica dessa forma de terapia são as pausas na comunicação, que devem ser olhadas com atenção pelo profissional. Uma vantagem: o paciente pode refletir com calma sobre as perguntas do terapeuta antes de respondê-las. Costumamos argumentar que, nesse momento, as inibições que talvez impeçam a pessoa de comunicar os pensamentos dolorosos ou que ela considere vergonhosos são eliminadas. 

Reconhecemos, no entanto, que demora pode também levar a mal-entendidos difíceis de ser percebidos na comunicação escrita. Por isso, o terapeuta se orienta pela forma de expressão e estilo do paciente – o que, de fato, nem sempre é fácil. Apesar das dificuldades (e críticas) a respeito da psicoterapia pela internet, a proposta é justamente avaliar se esse tipo de intervenção é eficaz.

Mas há também evidências de que mães e pais se ajudam intuitivamente quando perdem um bebê. Pesquisadores coordenados por Marijke Korenromp, do Centro Médico Universitário, em Utrecht, na Holanda, analisaram inúmeros estudos sobre o comportamento de pais em luto após a interrupção da gravidez por motivos médicos. Surpreendentemente, os parceiros raramente mostraram fases de tristeza intensa concomitantes. 

Os psicólogos holandeses supõem que os pais se alternavam de forma inconscientemente na superação da dor, para que aquele que estivesse especialmente sobrecarregado em um momento fosse apoiado e aliviado de suas tarefas rotineiras nesse período.

Até agora, porém, desenvolveram- se apenas poucos conceitos de tratamento específicos para pais após perdas durante a gravidez, e sua eficácia não foi investigada a fundo. Mas todas as abordagens têm em comum o fato de estimular a comunicação franca entre os membros da família. O principal objetivo da terapia consiste, inicialmente, em fazer com que os afetados tenham consciência de sua perda e formulem seu sofrimento espiritual em palavras para que, por fim, possam se despedir do bebê morto, bem como das expectativas, das esperanças e dos desejos associados a ele. 

De qualquer forma, é fundamental que, independentemente do fato de serem homens ou mulheres, pessoas que passaram pela experiência dolorosa de um aborto (muitas vezes até mesmo de um aborto provocado, que pode deixar sequelas emocionais e culpa) possam ter um espaço de acolhimento. E encontrar um ambiente propício e seguro para viver esse luto, falar sobre sentimentos e frustrações. Ou apenas para chorar.

Causas e sintomas
Em muitos casos, alterações genéticas são responsáveis pela morte do feto. Nesses casos, o bebê não estaria apto a sobreviver e por isso é expelido pelo corpo da mãe. Às vezes, a falta do hormônio progesterona pode provocar o aborto. Nesse caso, o óvulo não se aninha na membrana mucosa do útero. Infecções e doenças maternas também facilitam a morte da criança durante a gestação. Mulheres grávidas de múltiplos têm um alto risco de perder o bebê. Os indícios de um possível aborto vão desde sangramentos vaginais até fortes dores no abdômen e costas. Se esses sintomas surgirem, grávidas devem procurar um médico imediatamente. Muitas vezes, o aborto pode ser evitado com medicamentos ou intervenção cirúrgica.

A Casa Encantada & À Frente, O Verso.

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