O medo está nos rondando o tempo todo,
nos fazendo engolir sapos maiores que a boca.
Mas, por outro lado, foi o que nos manteve vivos até aqui...
Sem nos darmos conta, lá está ele tentando encaixar nossas atitudes, e pior, as dos outros também, em modelos que nem sabemos direito se servem aos nossos anseios. Tudo para termos a sensação de segurança.
Quanto mais previsível, quanto menos mudanças na rotina, mas seguro o ser humano se sente. É a, estranhamente, chamada zona de conforto, que de conforto não tem nada. O nome certo é zona de tédio.
Essa, erradamente chamada zona de conforto, é uma consequência não desejada causada pelo medo que a simples idéia de mudança, de um status quo para outro desconhecido, provoca. Mas as mudanças ocorrem o tempo todo, percebamos ou não. Não dependem da nossa vontade.
Esse é o cenário de um dos nossos maiores conflitos internos, provocado pelo antagonismo entre o medo transcendental, instintivo e necessário e a capacidade de pensar e entender adquirida durante esses milhares de anos de evolução que nos permitiram controlar um sem número de perigos reais aos quais aquele medo servia como alerta fundamental para a sobrevivência.
Mesmo com todo essa evolução, o medo da mudança continua a ser uma força muito poderosa no ser humano, só que, atualmente, é menos explícito e vive escondido nas pequenas coisas, sendo um dos responsáveis por diversos tipos de sofrimento em nossas vidas.
Ouvi de um amigo psicanalista algo que me ficou na cabeça e que os anos só reforçam a verdade que ela traduz:
- "O ser humano só se sente seguro vivendo uma rotina previsível, mesmo que isso signifique viver em péssimas condições, aparentemente insustentáveis se vistas de fora, mas que ele já conhece e está acostumado. É péssimo, mas é um péssimo que ele conhece. Essa força é tão poderosa que a simples idéia de romper com a situação e partir para algo novo causa pânico. Resumindo, a natureza do ser humano o impele a ficar no sofrimento conhecido, mas que não o mata, a arriscar qualquer outra coisa que ele não conheça. A origem desse comportamento é aquele mesmo medo necessário e primitivo que o fez permanecer vivo para contar e fazer história há milhares de anos. O que diferencia cada indivíduo é o nível de coragem para enfrentar esse medo, que hoje já não é tão necessário quanto na época em que fugíamos de predadores nas florestas”.
Não raras vezes, nos deparamos com essa realidade em vários aspectos da vida. Nas relações familiares, profissionais, amorosas, fraternas e quantos mais aspectos houver.
Admiro muito as pessoas que conseguem se desvencilhar rápido de situações incomodas da vida.
É claro que tudo tem sua particularidade e nada pode ser posto numa mesma sacola. Mas, existe uma linha, que pode ser tênue, de onde, a partir dali qualquer um tem certeza do dano que aquela situação está trazendo a um ou a quantos mais estiverem envolvidos.
Seja em que âmbito for, chega um momento em que o desgaste é tão forte e nítido que a mudança é absolutamente inevitável e urgente. E isso sempre gera insegurança, que é outro nome para o medo.
No amor isso é muito nítido. Do início da descida até se esborrachar no fim, a gente vem se ralando todo ladeira abaixo. E, não raras vezes, essa ladeira dura anos. Imagine quanta ralação, quantos machucados daqueles bem ardidos poderiam ser evitados.
É bem doloroso. Quando mais tempo dura a ladeira com mais machucados a gente chega no final. O que esquecemos é que podemos, a qualquer momento, interromper essa descida e evitar mais machucados.
Saber interromper antes que os machucados se aprofundem demais é o que decide os próximos relacionamentos e conseqüentemente nossa possibilidade de ser feliz.
Ou seja, essa decisão é das mais sérias: a hora de parar. A hora de dar um fim a uma situação infeliz e não olhar mais para trás.
Saber a hora de parar de sofrer é fundamental para não perder a crença em si mesmo. É necessário acreditar que podemos produzir nossa própria felicidade.
Porque, quantos mais machucados estivermos mais tempo eles demorarão a cicatrizar. E a vida não espera. O tempo passa.
É importante sermos sinceros ao respondermos nossas próprias perguntas. Precisamos saber pelo menos o que pensamos de verdade sobre nossos próprios assuntos. Precisamos estipular nossos limites.
A Tolerância é necessária, sem ela não se vive, não se aprende e nem se evolui. Mas, a partir de um tênue limite, passa a ser submissão, conformismo e covardia.
Mudar dá medo. Principalmente quando a decisão da mudança envolve coisas básicas como mudar de casa, ficar sozinho, trocar um emprego mais ou menos, mas que paga as contas, por um projeto que se der certo vai te dar a vida que você deseja (isso não está ligado a dinheiro necessariamente!). Mas, que também pode dar errado.
E daí? Tudo pode dar errado, principalmente o que está dando certo.
Já que o que está dando errado, se mudar, só pode mudar para dar certo.
Se der errado é porque não mudou. Então, vai ter que continuar mudando até dar certo.
E, pode ter certeza, uma das coisas que mais ajudam a persistir até que dê certo, é o bom humor e o autoconhecimento. Sem eles a vida não tem graça.
Ou seja, veja-se por que ângulo for, é preciso mudar sempre.
Até para que o que já está dando certo continue dando.
*Essa crônica faz parte do livro A Casa Encanta - Contos do Leblon, Edmir Saint-Clair
à venda na AMAZON
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A Casa Encantada
Contos do Leblon
Edmir Saint-Clair
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